Bloqueio Total Sobre a Constituição Europeia
Esta perspectiva tornou-se cada vez mais presente depois de um "conclave" de dois dias dos ministros europeus dos Negócios Estrangeiros, em Nápoles, destinado a preparar o caminho para o acordo final dos líderes da UE sobre a futura Constituição, na cimeira de 12 e 13 de Dezembro, em Bruxelas. "Saio de Nápoles mais preocupado do que cheguei", lamentou Joschka Fischer, o chefe da diplomacia de Berlim. (Que 'pena'..)
A sua preocupação resulta sobretudo da constatação de que os Vinte e Cinco - os actuais Quinze e os futuros dez novos membros, sobretudo do Leste - se estão a afastar irremediavelmente do projecto de Constituição elaborado pela Convenção presidida por Giscard d'Estaing.
Os seis países fundadores da UE - França, Alemanha, Itália, Bélgica, Holanda e Luxemburgo - são os únicos que continuam a defender a manutenção do essencial do texto da Convenção, afirmando que o modelo de decisão nele previsto é o único que permite à UE alargada funcionar de forma eficaz e de assumir o seu papel no Mundo. Estes países têm aliás feito pairar nas últimas semanas a ideia de que a falta de um acordo ambicioso sobre a Constituição reforçará a tentação de criação de uma vanguarda de países a avançar sozinhos para novos níveis de integração.
Fischer insurgiu-se de forma particularmente contundente contra a ideia avançada pelo seu homólogo britânico, Jack Straw, de adiar para 2009 uma decisão sobre as duas questões escaldantes das negociações: a formação das maiorias qualificadas nas decisões do conselho de ministros europeu, e a composição da Comissão Europeia.
Straw considera que, perante o desacordo dos Vinte e Cinco nestas duas frentes, a UE deverá funcionar durante alguns anos com o Tratado de Nice (que criou um mecanismo de decisão bizantino e, segundo os seus detractores, paralizador), deixando a sua revisão para 2009. Esta posição teve o apoio sobretudo da generalidade dos países de leste e da Espanha.
"Se é para guardar o Tratado de Nice, para que é que convocámos uma convenção e uma conferência intergovernamental [para rever o Tratado] ?", insurgiu-se Fischer.
Franco Frattini, chefe da diplomacia italiana que presidiu aos trabalhos, anunciou como único progresso das discussões institucionais o facto de uma "larga maioria" de países apoiar a ideia de conferir à Comissão Europeia um nacional de cada estado membro. Isto, quando o projecto da Convenção avançara com um formato reduzido de quinze comissários (mais outros tantos sem direito de voto) de modo a garantir a eficácia da instituição motora da UE, e garantindo o acesso de todos os países a estes cargos através de um sistema de rotação igualitário. Para Frattini, esta solução poderia funcionar até 2009 ou 2014, altura em que o número de comissários seria limitado a dezoito.
A solução de Teresa Gouveia
A França e a Alemanha contestaram de imediato esta fórmula, frisando que, se assim for, os grandes países exigirão manter o segundo comissário a que têm actualmente direito e que aceitaram ceder em Nice em troca de um reforço do seu peso nas decisões do conselho de ministros. O que daria uma Comissão com 31 membros, uma contradição flagrante do princípio da "colegialidade" que constitui o principio de base do seu funcionamento e uma impossibilidade matemática de funcionar de forma eficaz.
O mesmo impasse dominou o debate sobre as maiorias qualificadas: a Espanha e a Polónia continuam a preferir o sistema de votos ponderados de Nice - de que sairam largamente beneficiadas - recusando terminantemente o sistema alternativo avançado pela Convenção da chamada "dupla maioria", em que as decisões seriam válidas sempre que reunissem 50 por cento do estados representando 60 por cento da população da UE.
A ministra portuguesa, Teresa Patrício Gouveia, defendeu uma solução ligeiramente diferente de concessão aos dois parâmetros - Estados e população - a mesma percentagem, seja ela 50-50, ou 60-60. Este é o modelo que melhor sublinha a dupla natureza da UE enquanto união de estados e de cidadãs, defendeu, frisando que a sua preferência vai para o limiar mais baixo.
"Nunca !", atalhou de imediato um diplomata de um grande país(ai Joschka, Joschka..): se se exigir apenas 50 por cento da população para as decisões, será impossível bloquear qualquer proposta legislativa da Comissão Europeia, afirmou.
O cenário alternativo de colocar os dois limiares nos 60 por cento é rejeitado com a mesma firmeza: se bastarem 40 por cento de Estados para bloquear uma decisão, uma coligação dos dez países mais pequenos da UE, representando apenas 8 por cento da população, poderá travar qualquer legislação.
O impasse é total até à cimeira de Bruxelas.
- Público, ISABEL ARRIAGA E CUNHA, em Nápoles
Domingo, 30 de Novembro de 2003