domingo, novembro 16, 2003

CANÇÃO DE BACO

Quanto é bela a mocidade
que se escapa tão andeja!
Ai seja alegre quem seja:
de amanhã nada se sabe.

Este é Baco mais Adriana,
belos ambos, mui ardentes:
porque o tempo foge e engana,
sempre um do outro vão contentes.
Estas ninfas e outras gentes,
não há del's triste quem esteja.
Ai seja alegre quem seja:
de amanhã nada se sabe.

Estes sátiros joviais,
destas ninfas namorados,
por cavernas e pinhais,
mil ardis lhes têm lançados,
ou por Baco já esquentados
saltam de amor que lampeja.
Ai seja alegre quem seja:
de amanhã nada se sabe.

Estas ninfas têm temor
de sofrer um desacato:
quem seja rude e ingrato.
Ora em tumulto gaiato
dançam de fazer inveja.
Ai seja alegre quem seja:
de amanhã nada se sabe.

Este monstro que vem pronto
sobre um burro, esse é Sileno,
assim velho e alegre e tonto,
de carne e de anos bem pleno:
se não monta sem empeno,
ao menos ri-se e festeja.
Ai seja alegre quem seja:
de amanhã nada se sabe.

Este a seguir é o rei Midas
que o que toca ouro se faz.
Mas que importam tais validas,
se tesouros não dão paz?
Tem prazer quem sempre jaz
na sede de que vasqueja?
Ai seja alegre quem seja:
de amanhã nada se sabe.

Abram todos as orelhas:
do amanhã não haja empachos,
hoje sejam novas, velhas,
ledos todos, fêmeas, machos!
Tristezas vão prós diachos,
e contente tudo esteja.
Ai seja alegre quem seja:
de amanhã nada se sabe.

Damas e jovens amantes,
viva Baco e viva Amor!
Haja bailes e descantes!
Arda o peito em doce ardor!
Fora coitas, fora a dor!
O que tem de ser, que seja.
Ai seja alegre quem seja:
de amanhã nada se sabe.


- Lourenço de Medicis (tradução de Jorge de Sena)