quarta-feira, novembro 19, 2003

«Juristas têm amor sexual ao papel» (?!!)

A burocratização da justiça impede muitas reformas mas deputados não desistem de alterar Processo Penal.

«A burocratização da justiça é quase impossível de alterar». Quem o diz é Figueiredo Dias, um dos autores do Código de Processo Penal que está em vigor.

Figueiredo Dias falava durante a audição da Comissão de Assuntos Constitucionais onde admitiu ter sido ingénuo ao pensar que o Código de Processo Penal, que produziu em 1987, podia revolucionar a justiça e a própria cultura portuguesa.

«Há uma burocratização incrível, onde os juristas nutrem um amor quase sexual ao papel», afirmou. «Não é normal que Portugal seja dos países que se apresenta no topo da lista dos países onde se apresentam mais recursos das decisões judiciais. Não há o verdadeiro respeito pela justiça», criticou o jurista.

Figueiredo Dias sublinhou, perante os deputados, que o Código de Processo Penal, do qual é considerado «pai», devia sofrer pequenos ajustamentos, passados três anos de entrada em vigor.

Contudo defendeu que as alterações ao Código de Processo Penal não vão adiantar muito. Para Figueiredo Dias o maior problema vem da forma como os operadores judicias aplicam as leis.

Esta convicção também partilhada pelos restantes professores ouvidos: Costa Andrade, Anabela Rodrigues e Maria João Antunes.

Maria João Antunes lançou um exemplo disso aos deputados: «Como é possível que uma pessoa seja constituída arguida por homicídio por ter tentado suicidar-se. Isto aconteceu no Departamento de Investigação e Acção Penal onde se supõe que os magistrados sejam pessoas credenciadas».

«Não se pode responder com leis aos problemas do momento, porque isso é multiplicar os problemas. A inovação legislativa para resolver determinado problema não resulta», salientou Costa Andrade.

Anabela Rodrigues adiantou também aos deputados que «a eficácia da justiça e a defesa dos direitos dos arguidos são os factores a ter em conta em qualquer tipo de reforma do processo penal. Mas isso é muito difícil».

Para esta jurista há um problema da aplicação da lei, mas também os meios de organização, à disposição da justiça, são poucos. «O tempo de uma perícia médico-legal ou uma análise da polícia científica levam ao completo distorcer da eficácia da justiça», considerou.

Precisamos de juizes mais cultos

Mas se o problema não é das leis e é de quem as aplica, então levanta-se a questão: Precisamos de juizes mais cultos?

A deputada socialista Maria de Belém questionou de imediato os juristas para esta necessidade. No entanto, os juristas salientaram que o problema não advém da forma como se ensina direito nas faculdades.

«Não se pode é deixar que apenas sejam juizes aqueles que fazem carreira de juiz. Os tribunais devem ter uma condução mista também através de advogados», defendeu Figueiredo Dias.

Sobre a prisão preventiva várias foram as opiniões. A mais marcante foi a de Figueiredo Dias que destacou o caso nova iorquino. «Em Nova Iorque um indivíduo apresenta-se em tribunal para ser ouvido sozinho no seu próprio automóvel, quando pode sair de lá com a pena de morte».

Figueiredo Dias lembrou ainda o caso norte-americano onde a média de prisão preventiva em Nova Iorque é apenas de sete dias.

A jurista Maria João Antunes defendeu que o regime de prisão preventiva não deve sofrer grandes alterações. «A única alteração que proponho é integrar na lei a proibição de não fundamentar uma medida de coacção».

Isto porque «não basta dizer que há perigo de perturbação de inquérito, não basta dizer que há perigo de fuga, mas fundamentar devidamente esses argumentos».

Os vários partidos políticos estão de acordo em fazer alterações ao Código de Processo Penal e é nesse sentido que estão a fazer várias audições parlamentares no sentido de perceber as questões mais ou menos relvantes a modificar.

O que parece não ser dúvida para ninguém é que este Código vai ser alterado. O consenso é generalizado entre os deputados ouvidos pelo PortugalDiário sobretudo em matérias que põem em causa os direitos, liberdades e garantias dos arguidos.