Os multilateralismos
O Prof. Adriano Moreira, na sua Crónica no DN de hoje:
"A segunda guerra do Iraque fez crescer as apreensões sobre o unilateralismo americano, talvez mais exactamente sobre o modelo das forças políticas que assumiram a pilotagem dos EUA tendo o Presidente Bush como líder. Uma liderança que repetidamente assumiu uma decisão internacionalista não suposta pela campanha eleitoral, na qual transpareceu a necessidade de um repouso, tão moderadamente isolacionista quanto possível, depois das décadas de responsabilidades externas assumidas pelo Estado até à queda do Muro em 1989.
Os factos, com os quais não se discute, foram mais determinantes do que as prospectivas disponíveis tinham deixado entrever, e a guerra contra o terrorismo, depois do 11 de Setembro, fez subir em flecha a popularidade do líder, que não parecia destinado a fazer lembrar os níveis exaltantes de Roosevelt. Estando a braços com o ataque ao etnocentrismo cultural da população, encontrou em Robert Kagan uma voz de amparo, designadamente no seu Of Paradise and Power (2003), onde advoga colocar um ponto final na ideia de que europeus e americanos partilham a mesma visão do mundo.
Isto acontece quando o fim da guerra fria parecia dar consistência à esperança de todos recolherem os dividendos da paz. A tremenda agressão sofrida levou os europeus a adoptarem a dolorida expressão de Colombani _ «Neste momento trágico... somos todos americanos» _, que logo fez recordar o famoso grito de Kennedy na Berlim dividida. Tem sido inquietante que, depois desta solidariedade chamada à responsabilidade de todos os aliados, o tema do unilateralismo seja o que se tornou dominante.
E que entre os sinais de crise institucional não falte um novo Muro, levantado pela guerra israelista ao custo de um milhão de dólares por quilómetro, cimentando a cólera num dos pontos críticos que dinamizam o conflito entre o islamismo e os EUA.
Tudo com efeitos colaterais evidentes na erosão das convergências ocidentais. Um desses efeitos, porventura o mais preocupante, é que o unilateralismo se traduziu em primeiro lugar na rejeição do papel institucional da ONU, objecto de uma negociação pouco apreciável sobre os pagamentos que lhe são devidos, olhada frequentemente como um embaraço à liberdade de acção, rejeição institucional que também tem inevitáveis reflexos na NATO.
Mas como é inelutável ter parceiro, para agir na desordenada comunidade internacional, a rejeição do multilateralismo institucional, como tem sido acentuado pela fina análise de Montbrial, encaminha o Governo dos EUA em exercício para aceitar o conceito de Richard Haas de um multilateralismo flutuante.
Um conceito que, se descrever com exactidão a realidade, então também denuncia uma situação dominada por planos de contingência, e não uma situação avaliada em função de um plano estratégico ordenador da verdadeira anarquia madura em que nos encontramos.
A rude experiência deste trajecto sem grande previsibilidade, nesta data ainda afectado pela relação da política externa com a programação das próximas eleições presidenciais americanas, aponta para a necessidade de fazer uma análise e um balanço prospectivo sobre os ganhos e perdas, no que respeita à relação entre o multilateralismo institucional e o multilateralismo de circunstância, para averiguar que erosão paga o primeiro em favor das contingências do segundo.
Um balanço essencial para orientar a formulação da política externa e de segurança comum europeia, sobre a questão de saber em que medida a sua própria vontade política, e capacidades são suficientemente mobilizáveis para salvaguardar e fortalecer o multilateralismo institucional para além da cortina dos discursos."
O eminente Professor, com a sua incontestável experiência, sabedoria e correcção, expressa claramente a situação! Sem outros comentários, apenas, Sr. Prof. V. Exª continua a ser, o que sempre foi, um excelente catedrático, político e, acima de tudo, Pessoa.
"A segunda guerra do Iraque fez crescer as apreensões sobre o unilateralismo americano, talvez mais exactamente sobre o modelo das forças políticas que assumiram a pilotagem dos EUA tendo o Presidente Bush como líder. Uma liderança que repetidamente assumiu uma decisão internacionalista não suposta pela campanha eleitoral, na qual transpareceu a necessidade de um repouso, tão moderadamente isolacionista quanto possível, depois das décadas de responsabilidades externas assumidas pelo Estado até à queda do Muro em 1989.
Os factos, com os quais não se discute, foram mais determinantes do que as prospectivas disponíveis tinham deixado entrever, e a guerra contra o terrorismo, depois do 11 de Setembro, fez subir em flecha a popularidade do líder, que não parecia destinado a fazer lembrar os níveis exaltantes de Roosevelt. Estando a braços com o ataque ao etnocentrismo cultural da população, encontrou em Robert Kagan uma voz de amparo, designadamente no seu Of Paradise and Power (2003), onde advoga colocar um ponto final na ideia de que europeus e americanos partilham a mesma visão do mundo.
Isto acontece quando o fim da guerra fria parecia dar consistência à esperança de todos recolherem os dividendos da paz. A tremenda agressão sofrida levou os europeus a adoptarem a dolorida expressão de Colombani _ «Neste momento trágico... somos todos americanos» _, que logo fez recordar o famoso grito de Kennedy na Berlim dividida. Tem sido inquietante que, depois desta solidariedade chamada à responsabilidade de todos os aliados, o tema do unilateralismo seja o que se tornou dominante.
E que entre os sinais de crise institucional não falte um novo Muro, levantado pela guerra israelista ao custo de um milhão de dólares por quilómetro, cimentando a cólera num dos pontos críticos que dinamizam o conflito entre o islamismo e os EUA.
Tudo com efeitos colaterais evidentes na erosão das convergências ocidentais. Um desses efeitos, porventura o mais preocupante, é que o unilateralismo se traduziu em primeiro lugar na rejeição do papel institucional da ONU, objecto de uma negociação pouco apreciável sobre os pagamentos que lhe são devidos, olhada frequentemente como um embaraço à liberdade de acção, rejeição institucional que também tem inevitáveis reflexos na NATO.
Mas como é inelutável ter parceiro, para agir na desordenada comunidade internacional, a rejeição do multilateralismo institucional, como tem sido acentuado pela fina análise de Montbrial, encaminha o Governo dos EUA em exercício para aceitar o conceito de Richard Haas de um multilateralismo flutuante.
Um conceito que, se descrever com exactidão a realidade, então também denuncia uma situação dominada por planos de contingência, e não uma situação avaliada em função de um plano estratégico ordenador da verdadeira anarquia madura em que nos encontramos.
A rude experiência deste trajecto sem grande previsibilidade, nesta data ainda afectado pela relação da política externa com a programação das próximas eleições presidenciais americanas, aponta para a necessidade de fazer uma análise e um balanço prospectivo sobre os ganhos e perdas, no que respeita à relação entre o multilateralismo institucional e o multilateralismo de circunstância, para averiguar que erosão paga o primeiro em favor das contingências do segundo.
Um balanço essencial para orientar a formulação da política externa e de segurança comum europeia, sobre a questão de saber em que medida a sua própria vontade política, e capacidades são suficientemente mobilizáveis para salvaguardar e fortalecer o multilateralismo institucional para além da cortina dos discursos."
O eminente Professor, com a sua incontestável experiência, sabedoria e correcção, expressa claramente a situação! Sem outros comentários, apenas, Sr. Prof. V. Exª continua a ser, o que sempre foi, um excelente catedrático, político e, acima de tudo, Pessoa.