sábado, agosto 23, 2003

Um pouco mais de Azul

Hoje é sábado, dia de relaxar.

Ok, ok, tenho que fazer.. mas, ainda assim vou dar-me ao "luxo" de relaxar!
Quanto mais não seja viajar um pouco.. conhecem aquela: "vá para fora cá dentro?!"
Então é isso mesmo, viajar um pouco em mim!

Azul - sabedoria. Inspiração e sabedoria divina. A cor da fortuna, positiva, auto-confiança e confiança. Representa sinceridade e idealismo.

De Hubert Reeves, Ed. Gradiva
UM POUCO MAIS AZUL - A Evolução Cósmica
À procura das nossas raízes profundas este livro conta-nos a história do Universo.

Com o decorrer do tempo desenvolve-se a gestação cósmica. Em cada segundo o Universo prepara qualquer coisa. Ele sobe lentamente os degraus da complexidade. E onde nos leva essa via?

A física nuclear permite-nos compreender a evolução nuclear: como, a partir das partículas elementares emanadas da explosão inicial, se formaram os núcleos atómicos no coração das estrelas. O notável progresso da radioastronomia e da biologia molecular permite-nos reconstituir as grandes fases da evolução química entre as estrelas e nos planetas primitivos. E, finalmente, seguindo Darwin, veremos levantar-se diante de nós a grande árvore dos seres vivos no nosso planeta: a evolução biológica leva-nos das bactérias ao aparecimento da inteligência humana.

A via da complexidade termina com o ser humano? Não temos razão nenhuma para o afirmar. O coração do Mundo continua a bater no seu ritmo. O "sentido" continua em marcha. Talvez noutro planeta se tenham processado novos avanços. Que maravilhas desconhecidas prepara em nós a gestação cósmica? O Homem nasceu do primata; que nascerá do homem?

No final da leitura o leitor sentirá o nosso parentesco profundo com tudo o que existe no Universo. Na mais pura tradição hinduista, poderemos dizer que a natureza é, realmente, a família do homem."


Receitas de Azul

O famoso verso: 'Tome um pouco de azul, se a tarde é clara', de Carlos Pena Filho, lembra que foi Rimbaud quem inventou a cor das sonoridades vogais. A cor azul fala do som 'O'. Tradução de O. de Pennafort:

O, fanfarras, clarins, trons de vitória, brados,
O, silêncios azuis de anjos e sóis povoados,
O, clarão vesperal, violáceo, dos seus olhos!

São esses silêncios azuis que só os anjos sabem, os sóis povoados de luz dos seus olhos, clarão vesperal, brados.

O, supremo Clamor cheio de estranhos versos,
Silêncios assombrados de anjos e universos:
— Ó ! Ômega, o sol violeta dos Seus Olhos!


Tome um pouco de azul, se a tarde é clara

e espere pelo instante ocasional.
Nesse curto intervalo Deus prepara
e lhe oferta a palavra inicial.


Pessoa, 1917:

Súbita mão de algum fantasma oculto
Entre as dobras da noite e do meu sono
Sacode-me e eu acordo, e no abandono
Da noite não enxergo gesto ou vulto.

Então, pintei de azul os meus sapatos
por não poder de azul pintar as ruas,
depois, vesti meus gestos insensatos
e colori, as minhas mãos e as tuas.

Para extinguir em nós o azul ausente
e aprisionar no azul as coisas gratas,
enfim, nós derramamos simplesmente
azul sobre os vestidos e as gravatas.

E afogados em nós, nem nos lembramos
que no excesso que havia em nosso espaço
pudesse haver de azul também cansaço.

E perdidos de azul nos contemplamos
e vimos que entre nós nascia um sul
vertiginosamente azul. Azul.


Carlos Pena Filho dá a receita: ' Para fazer um soneto':

Tome um pouco de azul, se a tarde é clara,
e espere pelo instante ocasional.
Nesse curto intervalo Deus prepara
e lhe oferta a palavra inicial.

Aí, adote uma atitude avara:
se você preferir a cor local,
não use mais que o sol de sua cara
e um pedaço de fundo de quintal.

Se não, procure a cinza e essa vagueza
das lembranças da infância, e não se apresse,
antes, deixe levá-lo a correnteza.

Mas ao chegar ao ponto em que se tece
dentro da escuridão a vã certeza,
ponha tudo de lado e então comece.

Sebastião Norões é autor de um famoso soneto — 'Mar da memória' — Lá o azul vem do mar:

Eu quero é o meu mar, o mar azul.
Essa incógnita de anil que se destrança
em ânsias de infinito e me circunda
em grave tom de inquietude langue.

O mar de quando eu era, não agora.
Quando as retinas fixavam tredas
a incompreensível mole líquida e convulsa.
E o pensamento convidava longes,

delimitava imprevisíveis rumos
viagens de herói e de mancebo guapo.
Quando as distâncias fomentavam sonhos.

Rebenta em mim essa aspersão tamanha
que a imagem imatura concebeu
de quando o mar era meu, o mar azul.

Lá o azul do mar está pintado de 'ânsias de infinito', de vôo, de pensamento cujas distâncias fomentavam longes sonhos, o meu mar, o meu mar interior, o tamanho mar de quando ele era meu mar.

A cor local deve ser a do 'sol de sua cara / e um pedaço de fundo de quintal ' .

E das manchas azulejantes dos venenos / ...... / Onde, tingindo azulidades com quebrantos / ......./ E o acordar louro e azul dos fósforos canoros! /.........../ Áureos peixes do mar azul, peixes cantantes... / .................../ Líquens de sol e vômitos de azul escuro.

Bacellar:

No livre azul o sossegado vento

lívido sonha linhas de escultura

que moldará nas nuvens no momento

de apascentá-las pela tarde pura.

Num arrepio de pressentimento

o rufo de asa risca na brancura,

o sol arranca brilhos do cimento

do muro novo, a folha cai. Madura.

Tudo o verão proclama: a tarde limpa,

esmaltada de claro; pela grimpa

do morro verde a cabra lenta vai...

A luz resvala na amplidão sonora.

Por que senti roçar-me a face agora

um beijo, um frêmito, um suspiro, um ai?

Azul é o céu, é o espaço. Azul é profundidade, a transparência, o vazio, a liberdade. No livre azul, no mar azul, um pouco de azul da tarde, perdidos de azul, vertiginosamente azul. O azul onde passa o vento.

Ribaud:
No meu torpor, não posso, ó vagas, as esteiras
Ultrapassar das naves cheias de algodões,
Nem vencer a altivez das velas e bandeiras,
Nem navegar sob o olho torvo dos pontões. "