terça-feira, fevereiro 07, 2006

Fábula

Todos os dias um cavalo selvagem saciava a sua sede à beira de um rio pouco profundo.

Por ali também aparecia um javali que, ao remover o barro do fundo com o focinho e as patas, tornava a água turva.

O cavalo pediu-lhe que tivesse mais cuidado, mas o javali ofendeu-se e chamou-o de doido.

Acabaram por tratar-se com ódio, como se fossem os piores inimigos.

Então o cavalo selvagem, cheio de ira, foi chamar o homem e pediu-lhe ajuda.

-Enfrentarei essa besta – disse o homem – mas deves permitir-me montar o teu dorso.
O cavalo concordou e lá foram, à procura do inimigo.

Encontraram-no perto do bosque e, antes que este se pudesse ocultar na parte mais densa, o homem matou-o.

Já livre do javali, o cavalo foi até ao rio para beber, já em águas claras, ciente de que não voltaria a ser incomodado.

Contudo, o homem não pensava em desmontar.

– Estou satisfeito de puder ter ajudado – disse – Não só matei um javali, como também capturei um esplêndido cavalo.

E, embora o cavalo tenha resistido, o homem obrigou-o a fazer a sua vontade, colocou-lhe uma sela e fez dele a sua montada.

O cavalo, que tinha sido sempre livre como o vento, pela primeira vez na sua vida teve que obececer a um amo.

Estava selada a sua sorte, e desde então lamenta-se noite e dia:

-Tolo! Os incómodos que o javali me causava não eram nada comparados com isto! Por sobrevalorizar um assunto sem importância, acabei por tornar-me num escravo!

Às vezes, no afã de castigar os danos que nos causam, aliamo-nos a quem só tem interesse em dominar-nos.


- Fedro, O Cavalo e o Javali