quinta-feira, fevereiro 16, 2006

E assim vai o País II

Continua a azáfama do (des)Governo Português.

A economia entrou numa onda explosiva de privatizações em massa e sem critério; as regras do jogo mantêm-se opacas. A título de exemplo: a EDP, a TAP.

Alguém falou em receitas extraordinárias?
Não devo ter percebido bem o PM, ele afirmou que não ia, sob hipótese alguma, lançar mão de receitas extraordinárias..............
Pois ... não percebi bem.

A OTA e o TGV continuam na lista das fantasias e desaires do desgoverno, a tal Petição para a realização de um Referendo a este propósito tarde em ver a luz da sua concretização, espero que não tenha sido mais um fait divers.

Continua o desperdício do erário público para os desvarios socialistas.

O PR cessante parece ter esgotado as páginas amarelas nos eleitos a condecorações; quem agradece é o fabricante das mesmas, que não tem mãos a medir para tanta encomenda.

Não me canso de citar Ramalho Ortigão e Eça de Queirós nas Farpas:

A situação politica...

Mas, perdão—antes de encetarmos este assumpto, uma pequena historia:

Era uma vez um velho burro. Fora madraço e manhoso. Não conquistára amigos porque os não merecia. Tinham-o lançado á margem no fim da vida. Principiou a viver ao acaso, pelos montes. Um dia achava-se defronte de um vallado, estacado ao sol sobre as suas quatro patas, inerte, immovel, olhando para um cardo secco com os seus grandes olhos redondos e encovados em orbitas esqueleticas, pensando nas vicissitudes da vida e procurando arrancar do seu cerebro, para se consolar, algumas idéas philosophicas.

Passou por elle e deteve-se a contemplal-o um joven asno, no viço das illusões, cheio de amor e de zurros, de alegria e de coices. A vetusta ossada angulosa do ancião parecia furar-lhe a pelle resequída e aspera. Um espesso enxame de moscas cobria-lhe as mataduras do lombo e dava-lhe o aspecto de ter um albardão feito de zumbidos e d'asas sobre um fundo de missangas pretas e palpitantes,—coisa rabujosa á vista.

—Sacode esse mosqueiro, disse-lhe o burro novo. Dar-se-ha o caso de que, á similhança do homem, deixasses tambem tu atrophiar o precioso musculo que ahi tens na face para por meio d'elle abanares a orelha e moveres a pelle?... Sacode-te, bestiaga!

Ao que o lazarento, pausado, retorquiu:

—Não sabes o que zurras, joven temerario! O destino de quem tem maselas é que o mosqueiro o cubra. As moscas que tu vês, e de que o meu cerro é a estalagem com mesa redonda, são moscas fartas, teem a mansidão abundante dos estomagos cheios. Se eu as sacudisse, viriam outras,—as famintas, de ferrões gulosos, que zinem como frechas, pousam como causticos, mordem como furunculos. As que tu vês prestam-me um serviço impagavel:—livram-me das que podem vir; são o meu xairel benigno e suave, o meu arnez, a minha couraça. Quando te chegar a idade de seres pasto de moscas (e breve te soará essa hora porque a mocidade é, como a herva, uma ephemera transição entre o alfobre da meninice e a palha da edade madura); quando te chegar o teu dia, lembra-te, asninho imprudente, d'este conselho amigo de um burro velho, que não aprende linguas, mas que tem a experiencia que vale tanto como o ouro: Nunca sacudas mosca desde que creares masela! Teme-te dos papos vasios das revoadas novas. Papos cheios não só não mordem mas até empacham! Comprehendeste, burrinho, a philosophia da minha inercia?

Revertamos agora, como vinhamos dizendo, á situação politica.

Em toda a sociedade em movimento ha dois unicos partidos: o partido conservador e o partido revolucionario.

A funcção do partido revolucionario, qualquer que seja o seu nome—republicano, socialista, federalista, fourrierista, proudhonista, positivista, etc.—é transformar a ordem estabelecida, modificando as condições da civilisação no sentido de um mais rapido progresso.

Para este fim o partido revolucionario agita constantemente por meio de idéas novas as opiniões preconcebidas.

Como, porém, não está ainda definido o programma geral e harmonico da revolução, como a tendencia progressiva das multidões indisciplinadas se basea no sentimentalismo esteril ou no phantastico ideal methaphysico dos phraseadores eloquentes, succede que todo o esforço revolucionario representa para a sociedade um perigo de desordem, de incoherencia e de anarchia.

A funcção do partido conservador é a manutenção da ordem contra todas as invasões que directa ou indirectamente ameacem a integridade da organisação existente. Em todas as velhas sociedades os governos são por essa rasão, os inimigos natos do progresso. A evolução progressiva da humanidade realisa-se, a despeito d'elles, pela elaboração irresistivel das idéas fora da esphera official, sob a acção das descobertas da sciencia ou das suggestões da arte. O mais que fazem os governos é submetterem-se ás transformações sociaes que a solução de cada novo problema resolvido pela sciencia impõe á existencia dos povos. Os governos, portanto, sempre que uma forte effervescencia intellectual não agita a sociedade e os não abala constantemente na eminencia do seu posto forçando-os a concessões successivas, tendem ao retrocesso.

A civilisação não é na orbita politica senão o justo equilibrio das forças resultantes d'essas duas tendencias: a tendencia retrograda na ordem, a tendencia anarchica na revolução.

Em Portugal o que succede?

A vida intellectual é extremamente debil. A sciencia não tem cultores desinteressados e ardentes, a acção da arte sobre a aspiração dos espiritos é nulla.

O resultado é que os partidos de opposição, não encontrando nos phenomenos da vida nacional a profunda expressão implacavel de novas necessidades a que os governos tenham de amoldar-se, acham-se naturalmente desarmados das grandes rasões que reptam os governos a progredir ou a abdicar.

Em taes condições o partido revolucionario dentro da milicia politica, partido fabricado pelos proprios governos com a corrupção do suffragio,—sendo uma pura convenção, uma fixão constitucional, uma expressão rhetorica, sem raizes na consciencia e na vontade popular,—acabou por desapparecer inteiramente do nosso systema representativo. Ha muitos annos que a revolução não tem quem a represente no parlamento portuguez.

Ha, todavia, uma maioria parlamentar e uma opposição composta de varios grupos dissidentes. Estes grupos são fragmentos dispersos do unico partido existente—o partido conservador—fragmentos cuja gravitação constitue o organismo do poder legislativo.

Estes partidos, todos conservadores, não tendo principios proprios nem idéas fundamentaes que os distingam uns dos outros, sendo absolutamente indifferente para a ordem e para o progresso que governe um d'elles ou que governe qualquer dos outros, conchavaram-se todos e resolveram de commum accordo revesarem-se no podler e governarem alternadamente segundo o lado para que as despesas da rhetorica nos debates ou a força da corrupção na urna fizesse pesar a balança da regia escolha. Tal é o espectaculo recreativo que ha vinte annos nos esta dando a representação nacional.

Imaginem meia duzia de almocreves sequiosos que acham na estrada um pipo de vinho. Como nenhum d'elles tem mais direito que os outros a beber do pipo, combina-se que cada um d'elles ponha a bocca ao espicho e beba em quanto os pontapés dos outros o não contundirem até o ponto de o obrigar a largar as mãos da vasilha para as apertar na parte ferida pelos pontapés applicados pela companhia que espera. É exactamente o que ha muito tempo tem sido feito pelos partidos portuguezes com relação ao usofructo do poder que elles acharam na estrada, perdido.

Chegou finalmente a vez de pôr o pipo á bocca um partido excepcionalmente valoroso de sede e inconfundivel de fibra. Este partido não desemboca o pipo por mais que lhe façam. Protestações escandalisadas, de almocreves, retroam.

—Este partido abusa!

—Isto não vale!

—Isto não é do jogo!

—Elle esvasia o pipo!

—Larga o pipo, pipa!

—Larga o pipo, pimpão!

—Larga o pipo, ladrão!

E incitam-se uns aos outros até á ferocidade:

—Chega-lhe rijo!

—Mais! que lhe dôa bem!

—Rebenta-me esse ôdre!

—Racha-me esse tunel!

—Ah! cão!

O partido, porém, continua sempre a beber, e é insensivel a tudo: á dor, ao insulto, ao chasco, ao improperio, á graça pesada, á insinuação perfida e á alusão venenosa!

Em vista de uma tal pertinacia, que nós mesmos somos forçados a taxar de irregular, os partidos em expectativa do pipo, confederam-se, ferem o pacto da Granja, constituem-se n'um só partido novo,—n'uma só bocca para o pipo. Fazem um programma, redigem um manifesto, vão de terra em terra pedindo ao paiz que intervenha. Precisamente lhes occorreu n'esse momento que o pipo tem dono! que é do paiz o pipo!

Instado a intervir pelos pactuantes da Granja, pelos signatarios do manifesto, pelos auctores do novo programma, pelos oradores dos meetings revolucionarios, pelos jornaes opposicionistas, o paiz responde-lhes:

Lestes a historia do sabio burro lazarento contada pelas Farpas? Eu sou esse burro. Vós sois a revoada das novas moscas pretendendo expulsar a revoada velha. Ora, moscas por moscas—sendo meu destino que ellas sempre me cubram e me comam—prefiro as antigas moscas saciadas ás novas moscas famintas.

Deixae-me em paz. E notae que eu nem sequer vos abano as orelhas,—que é para não bolir comigo!