quinta-feira, julho 15, 2004

A JPT - Ma-Schamba


 
Eles não sabem que o sonho   
é uma constante da vida   
tão concreta e definida   
como outra coisa qualquer,   
 
como esta pedra cinzenta   
em que me sento e descanso,   
como este ribeiro manso   
em serenos sobressaltos,   
 
como estes pinheiros altos   
que em verde e oiro se agitam,   
como estas aves que gritam   
em bebedeiras de azul.   
 
Eles não sabem que o sonho   
é vinho, é espuma, é fermento,   
bichinho álacre e sedento,   
de focinho pontiagudo,   
que fossa através de tudo   
num perpetuo movimento.   
 
Eles não sabem que o sonho   
é tela, é cor, é pincel,   
base, fuste, capitel,   
arco em ogiva, vitral,   
pináculo de catedral,   
contraponto, sinfonia,   
máscara grega, magia,   
que é retorta de alquimista,   
mapa do mundo distante,   
rosa-dos-ventos, Infante,   
caravela quinhentista,   
que é Cabo da Boa Esperança,   
ouro, canela, marfim,   
florete de espadachim,   
bastidor, passo de dança,   
Colombina e Arlequim,   
passarola voadora,   
para-raios, locomotiva,   
barco de proa festiva,   
alto-forno, geradora,   
cisão do átomo, radar,   
ultra-som, televisão,   
desembarque em foguetão   
na superfície lunar.   
 
Eles não sabem, nem sonham,   
que o sonho comanda a vida.   
 
Que sempre que um homem sonha   
o mundo pula e avança   
como bola colorida   
entre as mãos duma criança."

- António Gedeão, Pedra Filosofal