Mercenários (III)
Para quem trabalham?
Para o mercenário profissional, o mundo pós-guerra fria fornece bastantes potenciais clientes, em regra são: governos déspostas, empresas multinacionais que necessitam de proteção para os seus bens e funcionários, assim como o próprio crime organizado (para se proteger das acções dos governos e dos seus rivais - os quais também podem utilizar mercenários) contra os seus negócios. O indivíduo ou a Empresa Militar Privada, tem que decidir sobre que tipo de trabalho estão preparados a levar a cabo, bem assim como, para quem trabalhar. Muitas são as Empresas Militares Privadas que trabalham, directamente, para governos democráticos ou instituições internacionais. Mas nem sempre o contratante se 'revela'.
Às vezes os governos utilizam empresas de mercenários em operações 'cobertas' para apoiar a sua política externa, porque seria politicamente impossível, para esses governos, levarem a cabo operações com suas próprias forças armadas, de forma anónima. Se as coisas derem 'para o torto', é só negar ou desconhecer a sua participação. Este tipo de operação já aconteceu no passado, e seria ingénuo pensar que isto não pode acontecer novamente. Um dos problemas para as empresas ou para o mercenário, individualmente, nestes casos, é saber exactamente para quem realmente estão a trabalhar. O real contratante pode 'esconder-se' atrás de uma cadeia de intermediários.
Outro problema relacionado com as PMCs é, o que acontecerá, se uma dessas empresas for contratada para fornecer armamento, treino e combatentes a um ditador ou a um país radical, que pouco depois venha a sofrer sanções da ONU e/ou uma intervenção militar. O que fará a PMC? Lutará contra os capacetes azuis? Enfrentará os EUA ou a NATO? Provavelmente não, principalmente se se tratar das empresas maiores, as quais estão bem alinhadas com a política externa dos seus países de origem, como é o caso da DSL, da MPRI e da DynCorp.
Principais empresas PMC a nível mundial
MPRI
Apresenta-se como "a maior conjugação empresarial de conhecimentos militares do mundo" e gaba-se de contar entre os seus directores, e gerente, de mais de 20 ex-altos oficiais americanos - e faz questão de salientar que não aceita, nunca, um contrato que não seja autorizado pelo Departamento de Estado dos EUA. Entre os seus membros esteve Alexander Haig, ex-Secretário de Estado dos EUA. A MPRI conta com cerca de 300 funcionários e constam cerca de 2.000 ex-oficiais do Pentágono no seu banco de dados.
Treinou, equipou e supervisionou a reforma das Forças Armadas da Croácia pós-independência, uma tarefa consentida e aprovada pelo Governo dos EUA, no qual não se quis envolver.
Em abril de 1995, por ordem do governo de Bill Clinton, a MPRI enviou uma equipa à Croácia para preparar o exército derrotado do país a retomar; uma iniciativa de guerra contra a Sérvia. Pouco depois, a Croácia lançou a Operação "Lightning Storm", uma sangrenta série de ofensivas que combinou tanques, artilharia e infantaria contra as forças sérvias entrincheiradas na disputada região de Krajina. Como conseqüência, o presidente sérvio, Slobodan Milosevic, teve que assinar, a contragosto, os Acordos de Paz de Dayton.
A sua intervenção em 1995 foi fundamental para os êxitos militares do exército croata contra os sérvios. A 'dose' foi repetida na Bósnia, quando a mesmíssima empresa prestou os mesmos serviços ao novo Ministério, para a Organização da Defesa da Federação Croato-Muçulmana.
A empresa fornece assessores, inclusive generais americanos reformados, para o Estado-Maior do Exército colombiano. Cerca de dezesseis funcionários da MPRI já estão a exercer funções na Colômbia e relatam periodicamente as suas actividades ao Pentágono. Os assessores privados estão a trabalhar em estratégia de inteligência, logística e treino, mas, outra parte de sua missão, é complementar as tarefas do Departamento de Defesa, tendo sido autorizadas pelo Congresso, a fim de treinar e dotar de armamento três batalhões anti-droga do exército colombiano
Executive Outcomes (EO) e Sandline International
A EO tornou-se famosa mundialmente pelas suas intervenções nos conflitos africanos, onde os seus mercenários, recrutados inicialmente entre os veteranos do famigerado 32º Batalhão -"Batalhão Buffalo", das SADF. Mas não actuava isolada, fazia parte de uma nebulosa multinacional fundada em 1991, por antigos oficiais dos serviços secretos britânicos e do SAS. Pagava entre 2 a 13 mil dólares mensais aos seus “contratados”.
A EO e a Sandline - registrada em 1993 no Reino Unido sob o nome de Plaza 107 Ltd - eram inicialmente uma só entidade (o que negavam ) e até 1996 ambas funcionavam, com outras 16 empresas, no mesmo edifício em Londres (em King's Road 535).
Dois homens estiveram na origem do grupo: Tony Buckingham, antigo agente do SAS reconvertido em empresário, dono da Heritage Oil Gas, com sede nas Bahamas e ligada à canadiana Ranger Oil; e Simon Mann , ex-oficial britânico, especialista em espionagem militar, com serviços prestados numa dezena de países: desde a Arábia Saudita, até à America Latina.
Buckingham e Mann recrutaram Barlow e Lafras Luiting (ex-membros do Civil Cooperation Bureau, que se notabilizou durante o regime do Apartheid) como dirigentes operacionais da EO. A Ranger Oil foi a primeira empresa que recorreu aos seus serviços em Angola, em 1993. A EO começou a intervir em Angola com 30 mercenários e dois Beechcraft da Capricorn Air (fundada pelo excêntrico criador das SAS, David Stirling, falecido em 1990) baseados em Lanseria (Joanesburgo). O êxito foi tal que os contratos começaram a chover. Desde o Governo angolano aos de outros 30 países, na sua maioria africanos. O governo angolano, em 1993, contratou a 'ajuda' da OE para derrotar o seu velho rival - o movimento UNITA de Jonas Savimbi. Angola pagou mais de US$ 30 milhões a esta corporação por um trabalho de poucos meses, durante os quais tomou à UNITA o controle das instalações petrolíferas da Gulf Chevron e da Sonangol, embora as tropas de Savimbi as tenham reconquistado poucas semanas depois da retirada das tropas da EO. A EO utilizou nas suas operações em Angola cerca de 500 "contratados".
Em 1996, o grupo foi reorganizado. Plaza tomou o nome de Sandline. A EO, que só aparece como cliente da Sandline e da Heritage, criou as suas próprias filiais angolanas - Branch Energy e Diamond Works Angola (esta última ligada a uma companhia canadiana cotada na bolsa de Vancouver), que se lançaram na exploração de diamantes na Lunda. Uma operação de «cosmética» visando, segundo os especialistas, aliviar a pressão das autoridades sul-africanas e salvar o seu património dos «ciúmes da concorrência» e de empresas fundadas por dissidentes da EO, os quais se estabeleceram por conta própria, oferecendo, eventualmente, os seus serviços ao adversário. Há indícios de que mercenários, ou ex-mercenários da OE, estejam a trabalhar em Angola ao serviço da UNITA e no ex-Zaire, com os rebeldes e com Kabila. Segundo informações esses "contratados" fazem parte de um pequeno grupo de oficiais, ex-coronéis ou brigadeiros da África do Sul. Muitos deles colaboraram com a UNITA na década de 80, quando o movimento rebelde era apoiado pelo Governo branco sul-africano. Esses sul-africanos forneceram aconselhamento e treino à UNITA, na utilização de artilharia pesada e de veículos blindados, recentemente adquiridos junto de fornecedores ligados ao antigo bloco soviético. Considera-se também que mercenários europeus do Leste - principalmente sérvios e ucrânianos - tenham ajudado as tropas da UNITA a manejar as novas armas.
Na África do Sul, a nova legislação levou a EO a 'encerrar' as portas em 1999, mas a imprensa sul-africana não acredita que seja por muito tempo. O “polvo” da EO reaparecerá, mais tarde, num lugar onde poderá continuar as suas actividades sem ser incomodado. Talvez em Hong Kong, ou na Ilha de Man, onde estavam sediadas duas das mais antigas empresas de mercenários: a Jardine Securicor Gurkha Services e a Gurkha Security Guards, que prestam os serviços dos famosos guerreiros nepaleses, quando estes foram desmobilizados do Exército britânico. A verdade é que a EO e a Sandline são hoje uma empresa, apenas para escapar aos problemas causados pela "lei anti-mercenários" da África do Sul. Muitos dos funcionários da EO fora transferidos para as subsidiárias da LifeGuard, a qual operou na Serra Leoa, e para a Saracen, que trabalhou em Angola.
Ambas fazem parte da Corporation Strategic Resources. Esta, através de várias sociedades com actividades que vão: dos serviços de segurança (Sandline Internacional e Life-Guard), ao transporte aéreo (Ibis Air), desarmamento de minas, informática, mercado financeiro e especialmente, à extracção mineira (Diamond Works, Heritage Oil & Gas, Branch Energy, etc.), é controlada, por sua vez, pela Adson Holdings.
A Sandline provocou recentemente sérias dores de cabeça ao Ministro britânico dos Negócios Estrangeiros, Robin Cook, acusado de ter contratado os serviços desta empresa britânica de mercenários para intervir na Serra Leoa. Em causa estava a violação do embargo decretado pelas Nações Unidas sobre a venda de armas a este país africano. A Sandline é acusada de ter importado da Bulgária 35 toneladas de armas destinadas às milícias «kamajors» leais ao Presidente Tejjan Kabbah, que combatem os rebeldes da Frente Revolucionária Unida (FRU). O problema maior para Cook é que a Sandline está há muito tempo sob a mira da imprensa internacional devido às suas ligações com a Executive Outcomes (EO) e as suas aventuras na Papua Nova Guiné.
Uma operação típica destas duas empresas ocorreu na Serra Leoa em 1995: cerca de 300 homens da EO, além de fornecerem assistência técnica, treinar recrutas das forças armadas e das milícias tribais, lutou ao lado do exército que combatia a guerrilha da Frente Revolucionária Unida. Os homens da EO chegaram à Serra Leoa melhor equipados do que a maioria dos exércitos de África. Utilizaram dois helicópteros MI- 17 contratados e um MI-24 de Serra Leoa, um sistema de intercepção de rádio, Boeings 727 para transporte de tropas e provisões, uma aeronave Andover para evacuação de vítimas, e bombas de ar-combustível (fuel air explosives, conhecidas como bombas FAE). Utilizadas com resultados devastadores pelos Estados Unidos na guerra do Golfo, as bombas FAE - cujo poder de destruição está apenas um grau abaixo das armas nucleares - absorvem o oxigênio depois de serem detonadas, matando todo o tipo de vida numa área de 2 kms2. O pessoal da EO utilizava uniformes militares da Serra Leoa. Também protegiam as concessões mineiras da Branchs Energy. Por cerca de US$ 2 milhões mensais e trabalhando com o Exército local, a EO pacificou o país em pouco mais de um ano. Neste país, realizaram-se as primeiras eleições democráticas em décadas, enquanto que os rebeldes ficaram acuados numa parte isolada do país. Perto de uma provável vitória final, a Executive Outcomes foi convidada a deixar o país, em parte devido à pressão internacional.
Quando em 1997, a Sandline substituiu a EO, foi estabelecida uma situação semelhante: o contrato exigia que governo da Serra Leoa atribuísse concessões na área diamantífera de Pujehun, à Diamond Works da qual a Branch Energy é subsidiária.
Em maio de 1998, a Sandline apareceu nos jornais, quando foi revelada a sua participação na recolocação do presidente Kabbah no governo da Serra Leoa, derrubado um ano antes pelo militares. Com o tácito consenso do governo britânico e o apoio dos serviços de segurança, a sociedade mercenária terá fornecido ao Exército comunitário dos países africanos (Ecomog) e às milícias tribais favoráveis ao presidente reposto, 35 toneladas de armas provenientes da Bulgária, localização do inimigo, pilotos para aviões e helicópteros de combate nigerianos.
A revelação da colaboração entre a empresa mercenária e o governo trabalhista britânico causou um escândalo no país, mais uma vez porque existiam sanções por parte da própria Grã-Bretanha, da Commonwealth e da União Européia, proibindo o fornecimento de armas à Nigéria. No final, as armas acabaram nas mãos da Nigéria pois, de forma bizarra, o Ecomog é constituido, na sua quase totalidade, por soldados nigerianos. Todavia, os diretores da Sandline não deram sinais de preocupação e, aliás, no mês de outubro precedente, foram convidados de honra e relatores, do encontro sobre o papel das empresas particulares nas estratégias de segurança, organizado em Washington pela Defence Intelligence Agency (DIA), a contra-espionagem militar americana.
Uma verdadeira consagração oficial.