sexta-feira, março 26, 2004

Tintern Abbey

Cinco anos se passaram: cinco Verões
e cinco Invernos longos! E outra vez
ouço estas águas que dos montes rolam
com tão doce murmúrio. Tornoo a ver
estas altas escarpas majestosas
que no isolado matagal imprimem
ideias de mais funda solidão.

E à paz do céu eu ligo esta paisagem.
O dia voltou-me, sob o qual uma vez mais
repouso, à sombra do sicômoro,
e vejo desenhados os cultivos,
e os tufos do pomar que ainda imaturo
nesta estação do ano é verde, e não
se distingue dos bosques, nem perturba
o verde da paisagem. Ainda outra vez
contemplo as sebes, indistintas já,
porque cresceram bravas; e as herdades
verdes até ao limiar das portas;
e entre o arvoredo os ascendentes fumos!
Alguns são tão incertos, como se
fossem de vagabundos pelos bosques
ou de caverna de eremita aonde
junto do fogo el' esteja.

Esta beleza,
na longa ausência, nunca foi pra mim
como paisagem na Visão de um cego:
mas, amiúde, em quartos solitários
ou nas cidades agitadas, eu,
em horas de amargura, lhes devi
no sangue e no meu peito sensações
que entram às vezes no mais puro da alma
num repousar tranquilo. E sentimentos
de prazer não-lembrado, quais, talvez,
poder não pouco é que hão-de ter naquela
parte melhor da vida do homem justo:
breves, sem nome, não-lembrados actos
de bondade ou de amor.. Nem menos, creio,
ainda lhes devo mais sublime dádiva,
um estado de alma em bem-aventurança
em que a pesada carga do mistério,
em que a opressão, que nos esmaga e gasta,
do não-inteligível deste mundo,
se torna leve: esse sereno estado
em que os Afectos nos conduzem suaves-
até que, o respirar em nosso corpo
e o movimento de correr o sangue
quase que suspendidos; dorme o corpo
e se transforma em palpitar de uma alma:
enquanto um olhar, aquietado pelo
fundo poder de alegres harmonias,
nos mostra a vida interior das coisas.

Se uma vã crença isto só for.. mas quanto -
em trevas ou por entre as várias formas
de um triste dia, quando o anseio inútil
e a febre deste mundo mais pesaram
no coração que bate, oh, quantas vezes
em espírito, voltei às tuas margens,
silvestre rio!, que vagueias por
bosques tão verdes - quanto a ti voltei!
E Ora, em relance de ideal quase extinto,
num reconhecimento vago e frágil
e algo também de uma tristeza ambígua,
a paisagem do espírito renasce:
enquanto estou aqui, não só no senso
do presente prazer, mas na confiança,
que neste instante, o alimento e a vida
no futuro não faltem.
O que ouso esperar sem dúvida diverso do que
eu era, quando andei nestes montes qual cabrito
saltava nas encostas, Pelas margens
de fundos rios e torrentes frias,
por onde a Natureza me levasse:
mais como aquele que foge do que teme,
que quem procura o que ama.
A Natureza (os mais rudes prazeres da juventude
e a alegria animal do movimento,
agora já perdidos) para mim
era tudo. Não posso descrever
o que por mim eu era. A catarata
de ecos me fascinava: e a escarpa abrupta,
as montanhas, e os bosques mais sombrios,
as suas cores e formas então eram
como um desejo: sentimento e amor
não precisando mais remoto encanto
que o pensamento empreste, ou outro interesse
mais que o do próprio olhar. Mas esse tempo
passado é já, com seu prazer que doía,
suas vertigens de êxtase. Não me cabe
chorar ou lamentar, pois outros gozos
vieram, para tal perda, quero crer,
compensação bastante. É que aprendi
a ver a Natureza, não qual via
com juvenil descuido; mas ouvindo
a triste música da humanidade.
Nem áspera, nem dura; poderosa
para nos aquietar. Tenho sentido
uma presença a perturbar-me alegre
com mais altas ideias: um sublime
senso de algo mais profundamente infuso,
cuja morada é a luz dos sois poentes,
do oceano a curva, o ar que nos rodeia,
o céu azul, e o pensamento humano:
um movimento, um espírito, que impele
tudo o que pensa, tudo o que é pensado,
e rola em quanto existe. Sou, portanto,
o amante ainda de montanhas, prados,
e bosques, e de tudo quanto vemos
na verde terra, e também todo o mundo
que ver e ouvir em parte criam, e é
o que apercebem: e de aceitar feliz,
na Natureza e na sensual linguagem,
uma âncora do puro pensamento,
guia do que o meu peito sente,
e a alma do meu ser inteiro, moral.


- William Wordsworth