quarta-feira, abril 21, 2004

Mercenários (I)*

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(*Artigo re-publicado! Com addenda**)

Uma visita ao Dragão, levou-me a: Mercenaries - The Baghdad boom. Será publicada uma série de artigos com base num estudo e análise de especialista e analistas militares sobre o fenómeno dos Mercenários.
Este é o primeiro da série.

(**Para uma visão distinta do mesmo fenómeno: Ecos, do Oceanus.

Segundo o dicionário Michaelis mercenário vem do latim mercenariu, que no campo bélico significa "soldado que, por dinheiro, serve a um governo estrangeiro".

Os mercenários têm estado envolvidos nos conflitos humanos desde a antiguidade. Lutaram ao lado dos gregos (sabe-se que mercenários hebreus lutaram para os gregos, e que os gregos também utilizaram macedónios), dos persas (cavaleiros citas e infantes gregos), dos cartagineses de Aníbal (lanceiros da Gália, Espanha e Núbia) e romanos (os romanos chegaram a utilizar tribos germânicas para protegem as suas fronteiras), entre outros.

Na Europa renascentista, os monarcas da França, Holanda, Espanha Inglaterra e Áustria organizaram exércitos regulares comandados pela nobreza (cuja arma era a cavalaria) e formados por uma infantaria de mercenários que podiam ser suábios albaneses, suíços, irlandeses, valáquios, turcos, húngaros ou italianos. Mercenários irlandeses e escoceses, os famosos Gansos Selvagens - "Wild Geese", serviram o rei Gustavus Adolphus da Suécia, bem como vários reis franceses. Os exércitos de mercenários, eram a norma e não a excepção na Europa desta época até à criação dos exércitos integrados pelos cidadãos de cada país, no século XVIII. No Japão de Shoguns, mercenários europeus lutaram ao serviço de vários senhores da guerra, muitas vezes em lados opostos.

No século XVI surgiram algumas Companhias de Segurança Privada quando o mercantilismo se espalhou pela Itália. As famílias de comerciantes rivais contratavam mercenários para fornecerem segurança aos seus negócios e atacar os concorrentes. Posteriormente, nos séculos seguintes as companhias de exploração colonial como a Dutch Jan Compagnie e a British South Africa Company, bem como depois a British East India Company e a Dutch East Indies Company, tinham elementos de segurança próprios, os quais não faziam parte das suas forças nacionais. Normalmente os mercenários eram utilizados como unidades de elite ou como conselheiros.

No Brasil estiveram presentes particularmente no período colonial e imperial. Muitos deles foram utilizados pelos holandeses da poderosa Companhia das Índias Ocidentais para conquistarem o litoral do Nordeste brasileiro. Os mercenários ao serviço dos holandeses no Brasil era principalmente italianos, franceses, irlandeses e alemães. Este perfil heterogéneo, aliás, não se restringia aos soldados; muitos eram os oficiais estrangeiros ao serviço dos holandeses, tal como o polaco Christoff Arciszewsky.

Os mercenários na história enquanto tropas de cerca de 1.500 mercenários ingleses, chefiados por Lord Cochrane, foram utilizados para combater a Confederação do Equador. Em 1823 foram constituidos batalhões de mercenários, constituidos principalmente com mercenários alemães e irlandeses. Devido aos duros castigos corporais e às precárias condições de aquartelamento, teve lugar uma rebelião em 1828, a qual determinou a extinção desses batalhões.

Muitos mercenários alemães (hessianos) lutaram ao lado da Inglaterra na guerra da independência americana. Após a guerra muitos ficaram nos EUA e tornaram-se cidadãos americanos. Apartir da 2ª metade do século XIX até o fim da Segunda Guerra Mundial, os mercenários diminuíram as suas actividades, mas no período pós-guerra com o fim do colonialismo, principalmente em África, e a dispensa de um grande contingente militar, as acções mercenárias voltaram a ser evidentes.

África – Os cães de guerra :

Nas décadas de 1960 e 1970, os mercenários eram aventureiros, anarquistas e megalómanos, que normalmente freqüentavam bares em Johannesburg ou ficavam nos pubs de Londres, esperando que o telefone tocasse para partir em numa aventura de guerra em alguma parte do mundo. Vendiam os seus serviços enquanto soldados em troca de pagamento, mas também gozavam do direito de saquear os bancos centrais das capitais onde combatiam, e furtar diamantes. Lutaram nos mais diversos lugares, especialmente em África: Biafra, Katanha, Congo-Belga e Angola.

No Congo, entre os mercenários mais famosos que participaram de combates, estão "Mad Mike" Hoare (que exigia rígida disciplina à sua tropa, e atirava pessoalmente contra quem o desobedecesse) e o seu Comando 5, "Black Jack" Schramme e Bob Denard, este dois franceses, que tinham lutado e perdido guerras coloniais na Indochina e na Argélia.

Esses mercenários vinham dos mais diferentes lugares, mas eram principalmente britânicos, belgas, franceses e alemães. Fizeram enorme alvoroço contra os africanos, utilizando colunas de jeeps armados, ao estilo dos raiders da Segunda Guerra Mundial. Os mercenários que falavam inglês autodenominavam-se Gansos Selvagens, numa insinuação romântica em relação aos mercenários irlandeses e escoceses de dois séculos antes. Os franceses autodenominavam-se Gansos Brancos, salvadores de freiras e missionários. Os africanos não chamavam os mercenários de "Gansos", mas de Les Affreux, os terríveis.

Quando os Gansos Selvagens organizaram um ousado e perigoso assalto, a centenas de kilómetros, selva a dentro, para resgatar mulheres brancas que se encontravam em acampamentos de mineração, ameaçadas de estupro e chacina às mãos dos rebeldes de Simba, ficaram famosos e constituiram paragônas a nível mundial.

Devido à boa preparação dos seus oficiais, treinados, na sua maioria, em Inglaterra, o exército do Biafra utilizou em combate pouco mais de que algumas dezenas de militares estrangeiros. Ao contrário das guerras do Congo, onde os mercenários dominaram em todos os postos, no Biafra apenas serviram militares experientes em operações de “comandos”. Distinguiram-se: o alemão Rolf Steiner, comandante do 4° Comando (expulso, em desgraça, por insubordinação), o galês/sul-africano “Taffy” Williams, o belga Marc Goosens (morto em combate), o corso Armand “the brave” Iaranelli, e o rodesiano Johnny Erasmus.

Em meados da década de 60, mercenários da África do Sul e da Rodésia comandados por "Mad Mike" Hoare, combateram guerrilheiros sob o comando de Che Guevara no Congo. Um dos mais famosos mercenários brancos da África lançara-se contra um dos mais famosos revolucionários latino-americanos — embora sem sequer saberem da presença um do outro. A força cubana finalmente retirou-se em novembro de 1965, depois da acção terrestre — e as negociações diplomáticas fora do país — tornarem a sua posição indefensável. Os EUA contrataram, discretamente, mercenários coreanos, filipinos e tailandeses para combater ao lado dos seus soldados na guerra do Vietname.

Muitos foram ainda os mercenários que lutaram em Angola, Moçambique e na Namíbia ao serviço da África do Sul e da CIA. Esses mercenários eram geralmente sul-africanos, rodesianos e ingleses. Muitos desses rodesianos eram ex-membros dos Selous Scouts. A Rodésia também utilizou mercenários (sul-africanos, ingleses, alemães, etc.) na sua luta contra os rebeldes.

Uma nova face para os mercenários

Devido às suas acções em assassinatos, golpes e contra-golpes nos anos 1960 e 1970, principalmente em África, quando se pensa em mercenários, a imagem que nos vem à mente é a de um tipo sem escrúpulos, cheio de cicatrizes de guerra, armado até os dentes e disposto a matar em troca do melhor salário, um verdadeiro cão de guerra. Porém a partir de meados da década de 80, assistimos a uma queda aguda nesse mercado de soldados da morte e à ascensão de empresas particulares, as chamadas PMCs - sigla em inglês para Private Military Companies (Empresas Militares Privadas). A Convenção de Genebra proíbe a utilização de mercenários, mas a distinção entre soldados da fortuna e empresas de segurança privadas, é muito turva.

Na verdade todas as forças de segurança, não governamentais, que trabalham para governos estrangeiros e empresas, podem ser classificadas em quatro grupos:

Mercenários: Até à revolução francesa, quando os ideais nacionais ficaram indissoluvelmente ligados ao serviço militar; os mercenários eram os principais combatentes ao serviço dos países. O mercenário normalmente opera só ou em pequenos grupos, que são constituidos para realizar missões específicas. Não chegando a constituir qualquer empresa legalmente constituida. Hoje seria classificado como freelance. Hoje pode citar-se pilotos especializados que operam no Zaire, Congo-Brazzaville, Angola, Serra Leoa, Libéria, Guiné-Bissau. Ex-membros das forças especiais de Israel, Grã-Bretanha e EUA que operam no México, Colômbia e no Triângulo de Ferro, com vista a treinar as forças de segurança dos cartéis da droga; ex-membros das Spetsnaz e da KGB que dão treino e segurança à Máfia Russa.
Exércitos Privados: Representam o próximo degrau dos mercenários. Embora possam aglutinar um grande número de mercenários, às vezes de um só país, estes agrupamentos não dão uma perspectiva nacional ao conflito. Na verdade muitos destes agrupamentos são multinacionais e oferecem o seu 'apoio' a troco de dinheiro. Como exemplo temos o Comando 5 no Congo e o 4° Comando no Biafra. Lutam de forma mais organizada que as pequenas equipas de mercenários, e por muito mais tempo.
Empresas Privadas de Segurança: Surgiram no século XVI em Itália; estiveram presentes também nas companhias de exploração colonial. Hoje são empresas que fornecem segurança (a funcionários e instalações) e inteligência (espionagem, contra-espionagem, avaliação de riscos, etc.) a grandes empresas nacionais e multinacionais. Estão extremamente ligadas à indústria petrolífera e mineira (ouro e diamantes, principalmente); particularmente em África, Ásia e América do Sul. Entre essas empresas pode citar-se:
Group 4, Control Risk Group, LifeGuard Management, Corps of Commissionaires e a KMS. Porém, normalmente, não se envolvem directamente em operações militares.
Empresas Militares Privadas: As PMCs são a evolução de todas as classes anteriores. As principais diferenças entre elas é de que as PMCs são rigorosamente organizadas nos moldes das grandes empresas, inclusive com directores, departamentos, escritórios, filiais, representantes, sites na internet, etc. Trabalham através de contratos claros, seguindo regras internacionais do comércio. Dão todo o tipo de assistência aos clientes (governos, multinacionais e instituições), inclusive operações militares que envolvem logística, venda de armas e combate, se necessário.