In Memoriam I
10 de Julho de 1975
Adelino Amaro da Costa
O Sr. Presidente: - Não podem interromper o orador. Peço o favor de o deixarem concluir.
O Orador: - Esta é a posição do Partido Socialista, tomada em reunião do Secretariado Nacional, realizado na noite de ontem.
Lendo esta manhã os jornais, pudemos todos tomar conhecimento das primeiras interpretações e comportamentos incontroláveis a que inicialmente aludi. Bases do PCP e do MDP, ...
Apupos
... partidos da coligação, reclamam a dissolução desta Assembleia Constituinte, onde os seus partidos se encontram representados. Uma questão que se afigura difícil não levantar: é essa a posição dos Srs. Deputados Comunistas aqui presentes? Ou, sobre tão importante matéria, verificou-se um tão extremo divórcio entre as cúpulas parlamentares e algumas bases desses partidos, habitualmente tão disciplinados?
Apupos
Mas nem é isto o mais grave. O que verdadeiramente inquieta no documento da Assembleia do MFA é que ele vai ser promovido pela demagogia reinante a estatuto de verdadeira Constituição da República Portuguesa.
A autoridade do Governo Provisório sabe-se qual é, a do próprio Conselho da Revolução frequentemente se desrespeita. Quem manda neste país?
Vozes: - O povo!
O Orador: - Para que serve a Constituição que esta Assembleia vai aprovar?
Vozes discordantes
O Sr. Presidente: - Peço o favor de não interromperem o orador.
A Aplausos e apupos.
O Orador: - Quem imporá o seu acatamento?
Sem autoridade não há revolução. Mas a autoridade, confirmamo-la cada dia que passa, só pode ter eficácia se for legitimada pela vontade popular. Queremos comprometer a revolução em aventuras suicidas? Ou vamos institucionaliza-la no respeito do voto popular? Todos os esforços do PS se dirigem no sentido de fazer o povo participar da revolução. Mas para isso é necessário que quem ocasionalmente fala em nome da revolução e parece conduzi-la aceite que o povo possa participar da revolução. E essa participação só pode obter-se por via democrática. Senhores cuja identidade só parcialmente conheço (gera-se grande burburinho), para onde quereis arrastar este país tantas décadas massacrado pela ditadura?
Aplausos e apupos.
O Sr. Presidente: - Pede-se a atenção da Assembleia. Encontra-se terminado o período destinado a antes da ordem do dia.
Pausa.
Estão na Mesa dois requerimentos, que vão ser lidos.
Foram lidos. São os seguintes:
Requerimento do PPD
Ex.mo Sr. Presidente da Assembleia Constituinte:
Em nome dos dez Deputados signatários que representam o Grupo Parlamentar do PPD, requeiro o prolongamento do período :de antes da ordem do dia, nos termos do artigo 43.º do Regimento.
(Seguem-se dez assinaturas ilegíveis.)
Requerimento do CDS
Nos termos do artigo 43.º, n.º 2, do Regimento da Assembleia Constituinte, temos a honra de requerer a V. Ex.ª o prolongamento por mais ume hora do período de antes da ordem do dia, tendo em conta a intervenção do Deputado Amaro da Costa, que consideramos relevante.
(Seguem-se dez assinaturas ilegíveis.)
O Sr. Presidente: - Ora, estes requerimentos são do mesmo teor e ambos satisfazem o requisito de conter dez assinaturas. Vão ser, portanto, postos à votação.
Submetidos à votação, foram aprovados, com 29 votos contra e 2 abstenções.
O Sr. Presidente: - Nos termos que estatui o nosso Regimento, durante esse prolongamento será concedida prioridade no uso da palavra a um dos Deputados de cada um dos partidos com oradores inscritos. Portanto, concederemos a palavra ao Deputado Amaro da Costa pelo CDS, Manuel Alegre pelo PS, Américo Duarte pela UDP, Emídio Guerreiro pelo PPD e Carlos Brito pelo PCP. Mais uma vez peço, se possível, que abreviem esta intervenção, no sentido de não tirarem tempo aos Deputados que se seguem para todos terem possibilidade de intervir. Tem, portanto, a palavra o Sr. Deputado Amaro da Costa.
O Sr. Amaro da Costa (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Revolução do 25 de Abril abriu as portas à democracia política através do Programa do Movimento das Forças Armadas. Foi a partir desse documento histórico que se tornou possível a legalização de forças políticas que durante muitos anos desenvolveram na clandestinidade a sua luta antifascista e foi também a partir dele que se tornou viável a mobilização partidária de largos extractos do povo a quem, até então, a política pouco ou nada dizia.
O Programa do MFA foi, assim, o salvo-conduto que permitiu aos portugueses ensaiarem os primeiros passos da vivência democrática. Vivência que só na aceitação das tensões próprias da liberdade tem sentido. Vivência que exige a diferença, o respeito mútuo, o contraste das opiniões e das ideologias, aquilo, afinal, a que alguns, já talvez cansados da nossa firme luta pela consolidação das liberdades concretas, chamam a «mania do pluralismo».
11 DE JULHO DE 1975 309
A Revolução do 25 de Abril foi, antes do mais - há que proclamá-lo -, a revolução da liberdade.
Liberdade para os povos de África decidirem sobre o seu futuro, constituindo-se como Estados na identidade da sua própria consciência nacional.
O Sr. Vital Moreira (PCP): - Por voto secreto.
O Orador: - Liberdade para os portugueses decidirem, sem tutelas de espécie alguma, do seu futuro e do dos seus filhos. No dia em que a Revolução Portuguesa tiver esquecido este firme ideal da liberdade de cada povo e de cada pessoa, nesse dia a Revolução terá cedido às pressões contra-revolucionárias. No dia em que a Revolução deixar esbater, na generosa luta pela democratização social e económica, os traços vigorosos da democracia política, nesse dia a Revolução estará morta. E a reacção terá obtido a sua primeira e maior vitória. Com a conivência ou a cobardia do CDS isso não se fará.
A partir do Programa do MFA organizaram-se os partidos políticos,...
Apupos.
... regulamentou-se de forma justa e livre a actividade da imprensa, promulgou-se uma quase perfeita lei eleitoral e realizaram-se as primeiras eleições em liberdade, depois de quase cinquenta anos de ditadura. Foram conquistas muito importantes do primeiro ano da Revolução: conquistas que honram os compromissos dos homens do MFA, conquistas que temos, a todo o custo, de defender. Sombras houve, algumas delas bem graves, no terreno que separa os textos legais da realidade prática. No controvertido campo da informação, por exemplo, muitos estaremos de acordo, inclusivamente com grande número de jornalistas, de que é ainda extenso o caminho á percorrer, se não é que ele se vai tornando cada vez mais longo. Mas essas sombras não podem fazer-nos cair na injustiça que seria a de ignorarmos as conquistas da democracia política até 25 de Abril de 1975.
E a própria dinâmica da democracia política ajudou, porventura, a que os pressupostos económicos e sociais da verdadeira liberdade fossem trazidos à luz do dia. As lutas dos trabalhadores por melhores condições de vida foram postas perante a consciência de toda a colectividade. A liberdade não é compatível com a exploração ou com a opressão do homem pelo homem ou da homem pelo Estado. Essas lutas dos trabalhadores mostraram, claramente, que o 25 de Abril continha em si, não s6 o gérmen de uma revolução liberal, mas, mais do que isso, a semente de uma autêntica revolução política em todos os seus aspectos: económicos, sociais e culturais. Os desequilíbrios gerados na sociedade, obrigando à recriação dos próprios fundamentos da autoridade, vinham provar que o 25 da Abril não abria, apenas, as portas à democracia política, mas impunha a construção solidária e livre de um novo projecto social e económico aferido e avalizado pelo próprio povo. Povo que - não o esqueçamos - durante meses viu repetida, diante de si, a esclarecedora palavra de ordem de que o voto era a sua arma.
A conquista de um novo fundamento para a autoridade não se improvisa de um dia para o outro. A autoridade que se baseia na legitimidade democrática e que visa uma profunda revolução política leva o seu tempo a consolidar-se. Talvez os Partidos Socialista e Comunista tenham tido a intuição dessa necessidade. O primeiro ao aprovar no seu Congresso de Dezembro passado uma moção apontando a um diálogo com o MFA a propósito da feitura da Constituição; o segundo declarando em comunicado de 26 de Janeiro que não era cede considerar nem seria possível deliberar sobre a futura Constituição sem ter em conta a opinião do MFA e dizendo ser «indispensável chegar a acordo em tempo sobre tal matéria».
Em Fevereiro passado, o MFA promoveu encontros com os partidos a fim de se estudar, em conjunto, a institucionalização do Movimento, tendo em vista a actividade futura desta Assembleia Constituinte. Interrompido esse diálogo pelo 11 de Março, ele veio a prosseguir em Abril, levando á assinatura da Plataforma de Acordo Constitucional MFA-Partidos Políticos. Todos os partidos representados nesta Assembleia, à excepção de um, subscreveram esse documento. Ao assiná-lo, o CDS ratificou um compromisso que, por seu lado, não deixará jamais de respeitar. Fê-lo na convicção de que o MFA era garante da democracia política e de que a sua presença transitória nos órgãos de Soberania era factor positivo para a recriação da autoridade neste Portugal desequilibrado, na via original para um socialismo português.
O Acordo MFA-Partidos Políticos foi o reconhecimento público e solene de que o Movimento reconhecia nos partidos a legitimidade da representação popular na perspectiva eleitoral e de Governo. E foi também o reconhecimento, por parte dos partidos, de que a presença política do MFA, num período de transição, contribuía para a necessária estabilização da nossa vida institucional, em ordem à plena democracia política. O Acordo MFA-Partidos Políticos foi um contrato escrito entre os representantes do povo e o MFA, foi o espelho das novas responsabilidades então assumidas pelo MFA perante o povo e foi, ainda, o sinal das limitações patriótica, temporária e livremente aceites pelos partidos em nome desse mesmo povo. Tal era a leitura e o entendimento que dávamos e damos à Plataforma de Acordo Constitucional no quadro da aliança Povo-MFA e do recente processo eleitoral.
Sr. Presidente:
Srs. Deputados:
Qual é a validade presente desse Acordo? Até que ponto podemos considerar que o MFA lhe atribui ainda importância? Perante a recente publicação, pelo MFA do projecto de estruturação política do País, são legítimas as mais sérias dúvidas.
Onde estamos hoje? De que modo podemos continuar a servir a Revolução? Em que acreditámos e em que queremos continuar a acreditar? Qual é o nosso lugar como Assembleia Constituinte, como Deputados?
Apupos
O Sr. Vital Moreira: - Já ouvi isso aqui hoje ...
O Orador: - Mas vale a pena discutir. As coisas graves discutem-se, não se insultam.
O Sr. Vital Moreira: - Estou só a constatar um facto.
O Orador: - O Programa do Movimento das Forças Armadas foi a carta do nosso nascimento como membros de organizações partidárias que não mais têm por que se ocultar na sombra ou na clandestinidade; e foi também a carta do nosso nascimento como Deputados à Assembleia Constituinte, como representantes do povo que em nós votou.
A Plataforma de Acordo Constitucional foi o compromisso escrito quanto aos futuros órgãos de Soberania e quanto à substância dos objectivos da Revolução, nos planos social e económico. Nele se afirmava expressamente que a institucionalização do Movimento não visava «substituir ou marginalizar os partidos políticos autenticamente democráticos e empenhados sinceramente no cumprimento do Programa do MFA». Pelo contrário, o que se desejava era «levar a cabo, em liberdade, mas sem lutas partidárias estéreis e desagregadoras, um projecto comum de reconstrução nacional».
O Programa do MFA e a Plataforma de Acordo Constitucional são as nossas cartas de mandato. A primeira abriu-nos para a vida na democracia. A segunda impôs-nos uma solidariedade. Mas até que ponto permanece essa solidariedade do lado do MFA? Como podemos nós, agora, entender o nosso papel? Qual é ele, depois das decisões tomadas pelo Conselho da Revolução e pela Assembleia do MFA? Tem ainda razão de ser a Assembleia Constituinte? Qual o sentido dos nossos debates? Qual a validade e o poder dos futuros órgãos de Soberania em face das estruturas unitárias que se visam criar?
Sr. Presidente:
Srs. Deputados:
Não creio que possamos ignorar estas perguntas. O povo que em nós votou, que em nós todos depositou a sua confiança de acordo com a sua ideologia ou com a sua sensibilidade política do momento, esse povo tem o direito de nos exigir a coragem destas perguntas. Não entraremos, aqui, na análise das propostas avançadas, unilateralmente, pelo MFA. Julgamos, no entanto, fundamental que o próprio Movimento com o mesmo espírito e idêntica solenidade, torne a iniciativa de reabrir com os partidos um diálogo franco e leal sobre esta matéria, pois está em jogo o futuro de um Acordo que os Partidos e o MFA em conjunto subscreveram. Este, o convite simples e honesto que queríamos aqui deixar.
Não é sem angústia que o formulamos. Num país onde a incerteza cresce impõe-se obter, até para bem da Revolução, resposta firme e clara às nossas perplexidades. Num país onde as dificuldades económicas aumentam, a instabilidade social se agrava e o contorno das instituições se esbate, neste nosso querido país é justo que a voz dos Deputados que querem cumprir honradamente a sua missão tenha o eco que lhe é devido. De outra forma, o que estaremos aqui a fazer? Como poderá o nosso trabalho ser considerado profícuo e eficaz por aqueles que fizeram a Revolução e pelo povo que nos elegeu?
Porventura - concedo-o sem facilidade - haverá quem diga que não há razão para a nossa perplexidade e menos ainda para a nossa angústia. Se assim for, tanto melhor. Mas as dúvidas e as incertezas acumulam-se: não mais as podemos calar.
Para nós o MFA tem a responsabilidade histórica que assumiu solenemente através do seu Programa e da Plataforma de Acordo Constitucional. Para nós, Deputados centristas, o MFA é, antes do mais, o autor do Programa e o signatário privilegiado da Plataforma. Não há, nesta posição. sombra de conservantismo ou de legalismo superficial. Há o reconhecimento de que a nossa tarefa aqui é a de fazermos uma Constituição. E não a poderemos fazer sem conhecermos com clareza, sem lugar para dúvidas, a autoridade política que passe o paradoxo - é afinal consentida aos Deputados eleitos pelo povo. Ou, de outra forma, corremos o risco de nos chamarem nomes pelo facto de não termos sabido acompanhar a dinâmica do processo ... É bom que saibamos evitar que de nós se diga que aqui discutíamos o sexo dos anjos enquanto lá fora os nossos sonhos de democracia política se abatiam irremediavelmente. Seríamos maus companheiros da Revolução, seríamos maus companheiros do MFA se assim procedêssemos, o povo e a história não nos perdoariam.
Tenho dito."
Adelino Amaro da Costa
O Sr. Presidente: - Não podem interromper o orador. Peço o favor de o deixarem concluir.
O Orador: - Esta é a posição do Partido Socialista, tomada em reunião do Secretariado Nacional, realizado na noite de ontem.
Lendo esta manhã os jornais, pudemos todos tomar conhecimento das primeiras interpretações e comportamentos incontroláveis a que inicialmente aludi. Bases do PCP e do MDP, ...
Apupos
... partidos da coligação, reclamam a dissolução desta Assembleia Constituinte, onde os seus partidos se encontram representados. Uma questão que se afigura difícil não levantar: é essa a posição dos Srs. Deputados Comunistas aqui presentes? Ou, sobre tão importante matéria, verificou-se um tão extremo divórcio entre as cúpulas parlamentares e algumas bases desses partidos, habitualmente tão disciplinados?
Apupos
Mas nem é isto o mais grave. O que verdadeiramente inquieta no documento da Assembleia do MFA é que ele vai ser promovido pela demagogia reinante a estatuto de verdadeira Constituição da República Portuguesa.
A autoridade do Governo Provisório sabe-se qual é, a do próprio Conselho da Revolução frequentemente se desrespeita. Quem manda neste país?
Vozes: - O povo!
O Orador: - Para que serve a Constituição que esta Assembleia vai aprovar?
Vozes discordantes
O Sr. Presidente: - Peço o favor de não interromperem o orador.
A Aplausos e apupos.
O Orador: - Quem imporá o seu acatamento?
Sem autoridade não há revolução. Mas a autoridade, confirmamo-la cada dia que passa, só pode ter eficácia se for legitimada pela vontade popular. Queremos comprometer a revolução em aventuras suicidas? Ou vamos institucionaliza-la no respeito do voto popular? Todos os esforços do PS se dirigem no sentido de fazer o povo participar da revolução. Mas para isso é necessário que quem ocasionalmente fala em nome da revolução e parece conduzi-la aceite que o povo possa participar da revolução. E essa participação só pode obter-se por via democrática. Senhores cuja identidade só parcialmente conheço (gera-se grande burburinho), para onde quereis arrastar este país tantas décadas massacrado pela ditadura?
Aplausos e apupos.
O Sr. Presidente: - Pede-se a atenção da Assembleia. Encontra-se terminado o período destinado a antes da ordem do dia.
Pausa.
Estão na Mesa dois requerimentos, que vão ser lidos.
Foram lidos. São os seguintes:
Requerimento do PPD
Ex.mo Sr. Presidente da Assembleia Constituinte:
Em nome dos dez Deputados signatários que representam o Grupo Parlamentar do PPD, requeiro o prolongamento do período :de antes da ordem do dia, nos termos do artigo 43.º do Regimento.
(Seguem-se dez assinaturas ilegíveis.)
Requerimento do CDS
Nos termos do artigo 43.º, n.º 2, do Regimento da Assembleia Constituinte, temos a honra de requerer a V. Ex.ª o prolongamento por mais ume hora do período de antes da ordem do dia, tendo em conta a intervenção do Deputado Amaro da Costa, que consideramos relevante.
(Seguem-se dez assinaturas ilegíveis.)
O Sr. Presidente: - Ora, estes requerimentos são do mesmo teor e ambos satisfazem o requisito de conter dez assinaturas. Vão ser, portanto, postos à votação.
Submetidos à votação, foram aprovados, com 29 votos contra e 2 abstenções.
O Sr. Presidente: - Nos termos que estatui o nosso Regimento, durante esse prolongamento será concedida prioridade no uso da palavra a um dos Deputados de cada um dos partidos com oradores inscritos. Portanto, concederemos a palavra ao Deputado Amaro da Costa pelo CDS, Manuel Alegre pelo PS, Américo Duarte pela UDP, Emídio Guerreiro pelo PPD e Carlos Brito pelo PCP. Mais uma vez peço, se possível, que abreviem esta intervenção, no sentido de não tirarem tempo aos Deputados que se seguem para todos terem possibilidade de intervir. Tem, portanto, a palavra o Sr. Deputado Amaro da Costa.
O Sr. Amaro da Costa (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Revolução do 25 de Abril abriu as portas à democracia política através do Programa do Movimento das Forças Armadas. Foi a partir desse documento histórico que se tornou possível a legalização de forças políticas que durante muitos anos desenvolveram na clandestinidade a sua luta antifascista e foi também a partir dele que se tornou viável a mobilização partidária de largos extractos do povo a quem, até então, a política pouco ou nada dizia.
O Programa do MFA foi, assim, o salvo-conduto que permitiu aos portugueses ensaiarem os primeiros passos da vivência democrática. Vivência que só na aceitação das tensões próprias da liberdade tem sentido. Vivência que exige a diferença, o respeito mútuo, o contraste das opiniões e das ideologias, aquilo, afinal, a que alguns, já talvez cansados da nossa firme luta pela consolidação das liberdades concretas, chamam a «mania do pluralismo».
11 DE JULHO DE 1975 309
A Revolução do 25 de Abril foi, antes do mais - há que proclamá-lo -, a revolução da liberdade.
Liberdade para os povos de África decidirem sobre o seu futuro, constituindo-se como Estados na identidade da sua própria consciência nacional.
O Sr. Vital Moreira (PCP): - Por voto secreto.
O Orador: - Liberdade para os portugueses decidirem, sem tutelas de espécie alguma, do seu futuro e do dos seus filhos. No dia em que a Revolução Portuguesa tiver esquecido este firme ideal da liberdade de cada povo e de cada pessoa, nesse dia a Revolução terá cedido às pressões contra-revolucionárias. No dia em que a Revolução deixar esbater, na generosa luta pela democratização social e económica, os traços vigorosos da democracia política, nesse dia a Revolução estará morta. E a reacção terá obtido a sua primeira e maior vitória. Com a conivência ou a cobardia do CDS isso não se fará.
A partir do Programa do MFA organizaram-se os partidos políticos,...
Apupos.
... regulamentou-se de forma justa e livre a actividade da imprensa, promulgou-se uma quase perfeita lei eleitoral e realizaram-se as primeiras eleições em liberdade, depois de quase cinquenta anos de ditadura. Foram conquistas muito importantes do primeiro ano da Revolução: conquistas que honram os compromissos dos homens do MFA, conquistas que temos, a todo o custo, de defender. Sombras houve, algumas delas bem graves, no terreno que separa os textos legais da realidade prática. No controvertido campo da informação, por exemplo, muitos estaremos de acordo, inclusivamente com grande número de jornalistas, de que é ainda extenso o caminho á percorrer, se não é que ele se vai tornando cada vez mais longo. Mas essas sombras não podem fazer-nos cair na injustiça que seria a de ignorarmos as conquistas da democracia política até 25 de Abril de 1975.
E a própria dinâmica da democracia política ajudou, porventura, a que os pressupostos económicos e sociais da verdadeira liberdade fossem trazidos à luz do dia. As lutas dos trabalhadores por melhores condições de vida foram postas perante a consciência de toda a colectividade. A liberdade não é compatível com a exploração ou com a opressão do homem pelo homem ou da homem pelo Estado. Essas lutas dos trabalhadores mostraram, claramente, que o 25 de Abril continha em si, não s6 o gérmen de uma revolução liberal, mas, mais do que isso, a semente de uma autêntica revolução política em todos os seus aspectos: económicos, sociais e culturais. Os desequilíbrios gerados na sociedade, obrigando à recriação dos próprios fundamentos da autoridade, vinham provar que o 25 da Abril não abria, apenas, as portas à democracia política, mas impunha a construção solidária e livre de um novo projecto social e económico aferido e avalizado pelo próprio povo. Povo que - não o esqueçamos - durante meses viu repetida, diante de si, a esclarecedora palavra de ordem de que o voto era a sua arma.
A conquista de um novo fundamento para a autoridade não se improvisa de um dia para o outro. A autoridade que se baseia na legitimidade democrática e que visa uma profunda revolução política leva o seu tempo a consolidar-se. Talvez os Partidos Socialista e Comunista tenham tido a intuição dessa necessidade. O primeiro ao aprovar no seu Congresso de Dezembro passado uma moção apontando a um diálogo com o MFA a propósito da feitura da Constituição; o segundo declarando em comunicado de 26 de Janeiro que não era cede considerar nem seria possível deliberar sobre a futura Constituição sem ter em conta a opinião do MFA e dizendo ser «indispensável chegar a acordo em tempo sobre tal matéria».
Em Fevereiro passado, o MFA promoveu encontros com os partidos a fim de se estudar, em conjunto, a institucionalização do Movimento, tendo em vista a actividade futura desta Assembleia Constituinte. Interrompido esse diálogo pelo 11 de Março, ele veio a prosseguir em Abril, levando á assinatura da Plataforma de Acordo Constitucional MFA-Partidos Políticos. Todos os partidos representados nesta Assembleia, à excepção de um, subscreveram esse documento. Ao assiná-lo, o CDS ratificou um compromisso que, por seu lado, não deixará jamais de respeitar. Fê-lo na convicção de que o MFA era garante da democracia política e de que a sua presença transitória nos órgãos de Soberania era factor positivo para a recriação da autoridade neste Portugal desequilibrado, na via original para um socialismo português.
O Acordo MFA-Partidos Políticos foi o reconhecimento público e solene de que o Movimento reconhecia nos partidos a legitimidade da representação popular na perspectiva eleitoral e de Governo. E foi também o reconhecimento, por parte dos partidos, de que a presença política do MFA, num período de transição, contribuía para a necessária estabilização da nossa vida institucional, em ordem à plena democracia política. O Acordo MFA-Partidos Políticos foi um contrato escrito entre os representantes do povo e o MFA, foi o espelho das novas responsabilidades então assumidas pelo MFA perante o povo e foi, ainda, o sinal das limitações patriótica, temporária e livremente aceites pelos partidos em nome desse mesmo povo. Tal era a leitura e o entendimento que dávamos e damos à Plataforma de Acordo Constitucional no quadro da aliança Povo-MFA e do recente processo eleitoral.
Sr. Presidente:
Srs. Deputados:
Qual é a validade presente desse Acordo? Até que ponto podemos considerar que o MFA lhe atribui ainda importância? Perante a recente publicação, pelo MFA do projecto de estruturação política do País, são legítimas as mais sérias dúvidas.
Onde estamos hoje? De que modo podemos continuar a servir a Revolução? Em que acreditámos e em que queremos continuar a acreditar? Qual é o nosso lugar como Assembleia Constituinte, como Deputados?
Apupos
O Sr. Vital Moreira: - Já ouvi isso aqui hoje ...
O Orador: - Mas vale a pena discutir. As coisas graves discutem-se, não se insultam.
O Sr. Vital Moreira: - Estou só a constatar um facto.
O Orador: - O Programa do Movimento das Forças Armadas foi a carta do nosso nascimento como membros de organizações partidárias que não mais têm por que se ocultar na sombra ou na clandestinidade; e foi também a carta do nosso nascimento como Deputados à Assembleia Constituinte, como representantes do povo que em nós votou.
A Plataforma de Acordo Constitucional foi o compromisso escrito quanto aos futuros órgãos de Soberania e quanto à substância dos objectivos da Revolução, nos planos social e económico. Nele se afirmava expressamente que a institucionalização do Movimento não visava «substituir ou marginalizar os partidos políticos autenticamente democráticos e empenhados sinceramente no cumprimento do Programa do MFA». Pelo contrário, o que se desejava era «levar a cabo, em liberdade, mas sem lutas partidárias estéreis e desagregadoras, um projecto comum de reconstrução nacional».
O Programa do MFA e a Plataforma de Acordo Constitucional são as nossas cartas de mandato. A primeira abriu-nos para a vida na democracia. A segunda impôs-nos uma solidariedade. Mas até que ponto permanece essa solidariedade do lado do MFA? Como podemos nós, agora, entender o nosso papel? Qual é ele, depois das decisões tomadas pelo Conselho da Revolução e pela Assembleia do MFA? Tem ainda razão de ser a Assembleia Constituinte? Qual o sentido dos nossos debates? Qual a validade e o poder dos futuros órgãos de Soberania em face das estruturas unitárias que se visam criar?
Sr. Presidente:
Srs. Deputados:
Não creio que possamos ignorar estas perguntas. O povo que em nós votou, que em nós todos depositou a sua confiança de acordo com a sua ideologia ou com a sua sensibilidade política do momento, esse povo tem o direito de nos exigir a coragem destas perguntas. Não entraremos, aqui, na análise das propostas avançadas, unilateralmente, pelo MFA. Julgamos, no entanto, fundamental que o próprio Movimento com o mesmo espírito e idêntica solenidade, torne a iniciativa de reabrir com os partidos um diálogo franco e leal sobre esta matéria, pois está em jogo o futuro de um Acordo que os Partidos e o MFA em conjunto subscreveram. Este, o convite simples e honesto que queríamos aqui deixar.
Não é sem angústia que o formulamos. Num país onde a incerteza cresce impõe-se obter, até para bem da Revolução, resposta firme e clara às nossas perplexidades. Num país onde as dificuldades económicas aumentam, a instabilidade social se agrava e o contorno das instituições se esbate, neste nosso querido país é justo que a voz dos Deputados que querem cumprir honradamente a sua missão tenha o eco que lhe é devido. De outra forma, o que estaremos aqui a fazer? Como poderá o nosso trabalho ser considerado profícuo e eficaz por aqueles que fizeram a Revolução e pelo povo que nos elegeu?
Porventura - concedo-o sem facilidade - haverá quem diga que não há razão para a nossa perplexidade e menos ainda para a nossa angústia. Se assim for, tanto melhor. Mas as dúvidas e as incertezas acumulam-se: não mais as podemos calar.
Para nós o MFA tem a responsabilidade histórica que assumiu solenemente através do seu Programa e da Plataforma de Acordo Constitucional. Para nós, Deputados centristas, o MFA é, antes do mais, o autor do Programa e o signatário privilegiado da Plataforma. Não há, nesta posição. sombra de conservantismo ou de legalismo superficial. Há o reconhecimento de que a nossa tarefa aqui é a de fazermos uma Constituição. E não a poderemos fazer sem conhecermos com clareza, sem lugar para dúvidas, a autoridade política que passe o paradoxo - é afinal consentida aos Deputados eleitos pelo povo. Ou, de outra forma, corremos o risco de nos chamarem nomes pelo facto de não termos sabido acompanhar a dinâmica do processo ... É bom que saibamos evitar que de nós se diga que aqui discutíamos o sexo dos anjos enquanto lá fora os nossos sonhos de democracia política se abatiam irremediavelmente. Seríamos maus companheiros da Revolução, seríamos maus companheiros do MFA se assim procedêssemos, o povo e a história não nos perdoariam.
Tenho dito."