As Guerras Franco - Alemãs, 'Tratado do Elysée' e a UE
Palestra do Embaixador da República Francesa
- 22 de janeiro de 2003
Alain Rouquié, sobre o quadragésimo aniversário do Tratado do Elysée
De 1870 a 1939, em três gerações, a Europa conheceu três guerras franco-alemãs. As duas últimas (1914-18 e 39-45) tiveram a amplitude de conflitos mundiais. Desde 1945, apesar do enfrentamento ideológico planetário e da guerra fria, a Europa vive em paz, uma paz que completará em breve 80 anos. Essa longa paz só foi possível porque foram extraídas lições dos conflitos passados escolhendo-se o difícil e exigente caminho da reconciliação e da cooperação entre a França e a Alemanha. Uma aproximação a serviço da integração européia, da qual ela é um indispensável propulsor.
Tudo começou em 9 de maio de 1950, com a declaração fundadora de dois homens, dois visionários: Robert Schumann e Jean Monet. O primeiro, alsaciano, conhecia bem a Alemanha e as dificuldades das cidades fronteiriças. Essa declaração, uma verdadeira bomba logo após as destruições e os rancores da segunda guerra mundial, propunha a criação de uma comunidade franco-alemã do carvão e do aço, primeiro passo essencial rumo a uma Europa que "não será construída de uma só vez", porém "através de realizações concretas criando primeiramente uma solidariedade de fato". Os autores desse projeto ambicioso e audacioso acrescentam: "a união das Nações européias exige que a oposição secular entre a França e a Alemanha seja eliminada…"
O plano da CECA, também conhecido como Plano Schumann, tinha por objetivo principal a reconciliação franco-alemã, a fim de lançar as bases de uma "Federação européia indispensável à Paz".
O primeiro Chanceler da República Federal Alemã, Konrad Adenauer, acolheu favoravelmente o Plano Schumann e a idéia de uma aproximação franco-alemã pelo viés de solidariedades econômicas cruzadas.
O que veio a seguir é conhecido: o Tratado de Paris, em 1951 e, em seguida, os Tratados de Roma, de 25 de março de 1957, dando surgimento às três comunidades: CECA, CEE e Euratom, que criavam a Europa econômica ligando primeiramente 6 países e depois 9, em seguida 10, 12, hoje 15 e amanhã 27.
A dupla franco-alemã teve um papel essencial nesse processo. Foi por essa razão que, quarenta anos atrás, o General de Gaulle e o Chanceler Adenauer, a República Federal e a França decidiram selar através de um tratado a sua reconciliação. A reconciliação entre duas Nações que assentam os fundamentos de uma paz duradoura na Europa e da integração regional.
O documento assinado em 22 de janeiro de 1963 é um documento quadro. Ele estabelece os grandes objetivos da cooperação franco-alemã e define as regras institucionais de sua execução. Ele repousa em duas séries de disposições.
- Um calendário obrigatório de encontros regulares em todos os níveis (de Chefes de Estado – 2 reuniões de cúpula por ano, de Ministros – trimestral e entre altos funcionários) para assegurar a continuidade da cooperação.
- Um intercâmbio de cooperação concentrado em três áreas:
a juventude, as relações exteriores, a defesa.
Com o objetivo de colocar permanentemente em prática a reconciliação histórica da França e da Alemanha, foi dada uma ênfase especial à juventude dos dois países. Criou-se então, em julho de 1963, o Ofício Franco-Alemão da Juventude (OFAJ). Esse organismo possibilitou o encontro entre sete milhões de jovens dos dois países, porque o importante é unir os homens. Qual é o balanço desse tratado (para além das reuniões de cúpula, das reuniões ministeriais e dos encontros de jovens)?
São numerosos os avanços.
O Tratado inaugurou uma era de cooperação sem precedente entre nossos dois países, ao mesmo tempo em que dava um impulso decisivo à construção européia. Diálogo político estreito, cooperação econômica, cooperação em matéria de pesquisa, cultura e educação favorecem os intercâmbios entre as duas sociedades.
Eu gostaria de citar apenas alguns exemplos, alguns deles muito conhecidos, outros menos.
Em matéria econômica, a criação de empresas franco-alemãs como a EADS (Eurocopter-Airbus), nascida da fusão da Dasa e da Aérospatiale, a Aventis (Hoechst e Rhône-Poulenc),
a seguradora AGF, a cooperação Siemens-Framatone-Alcatel na área nuclear. No campo cultural: o canal de televisão franco-alemão ARTE, criado no final dos anos 80, um dos melhores canais europeus e dos mais originais, a Universidade Franco-Alemã, fundada em 1999. Sem falar das redes universitárias binacionais e dos diplomas franco-alemães. A Academia Franco-Alemã de Cinema, fundada em 2001. Simbólica e promissora é a formação entre dois antigos "inimigos hereditários" da brigada franco-alemã, criada em 1981, primeiro passo decisivo para a instauração de uma corporação militar européia alguns anos mais tarde.
Se a cooperação franco-alemã é dinâmica e soube inovar em áreas espetaculares como a cultura e a defesa, é porque ela é ao mesmo tempo de proximidade e institucional, porque o Tratado do Elysée é um tratado tanto de amizade quanto de cooperação. Por isso, a maioria das cidades da França, pequenas ou médias, são cidades-irmãs das cidades alemãs do Oeste, mas também do Leste depois da reunificação. Mas, além disso, o diálogo político franco-alemão é a base dos grandes avanços europeus: a reforma do sistema monetário europeu, empreendido por Helmut Schmidt e Valéry Giscard d'Estaing, nos anos 70, resultou na união monetária e, depois, na moeda única, o Euro.
Hoje, os avanços obtidos em quarenta anos de aproximação e cooperação deve dar à França e à Alemanha a capacidade de enfrentar os novos desafios da mundialização e dar prosseguimento à construção européia no momento de uma ampliação histórica da União.
Porque é uma constatação histórica, como declarou recentemente o Presidente Chirac: quando o motor franco-alemão funciona, a Europa progride, estagnando quando a relação entre a França e a Alemanha marca passo.
Por essa razão, na última reunião de cúpula franco-alemã (de Schewerin, em julho de 2002), o Chanceler e o Presidente da República destacaram a sua determinação em reinaugurar e aprofundar a relação franco-alemã. Porque o bom entendimento entre a Alemanha e a França é a chave dos progressos políticos da Europa. Não é a convergência de nossos pontos de vista que faz a nossa força, mas, acima de tudo, a nossa determinação no interesse comum, a serviço do empreendimento europeu, de superar nossas divergências quando existirem. É a nossa comunidade de destino e a nossa exigência do futuro que agora nos ditam essa vontade comum. O Tratado do Elysée está mais vivo do que nunca.
- 22 de janeiro de 2003
Alain Rouquié, sobre o quadragésimo aniversário do Tratado do Elysée
De 1870 a 1939, em três gerações, a Europa conheceu três guerras franco-alemãs. As duas últimas (1914-18 e 39-45) tiveram a amplitude de conflitos mundiais. Desde 1945, apesar do enfrentamento ideológico planetário e da guerra fria, a Europa vive em paz, uma paz que completará em breve 80 anos. Essa longa paz só foi possível porque foram extraídas lições dos conflitos passados escolhendo-se o difícil e exigente caminho da reconciliação e da cooperação entre a França e a Alemanha. Uma aproximação a serviço da integração européia, da qual ela é um indispensável propulsor.
Tudo começou em 9 de maio de 1950, com a declaração fundadora de dois homens, dois visionários: Robert Schumann e Jean Monet. O primeiro, alsaciano, conhecia bem a Alemanha e as dificuldades das cidades fronteiriças. Essa declaração, uma verdadeira bomba logo após as destruições e os rancores da segunda guerra mundial, propunha a criação de uma comunidade franco-alemã do carvão e do aço, primeiro passo essencial rumo a uma Europa que "não será construída de uma só vez", porém "através de realizações concretas criando primeiramente uma solidariedade de fato". Os autores desse projeto ambicioso e audacioso acrescentam: "a união das Nações européias exige que a oposição secular entre a França e a Alemanha seja eliminada…"
O plano da CECA, também conhecido como Plano Schumann, tinha por objetivo principal a reconciliação franco-alemã, a fim de lançar as bases de uma "Federação européia indispensável à Paz".
O primeiro Chanceler da República Federal Alemã, Konrad Adenauer, acolheu favoravelmente o Plano Schumann e a idéia de uma aproximação franco-alemã pelo viés de solidariedades econômicas cruzadas.
O que veio a seguir é conhecido: o Tratado de Paris, em 1951 e, em seguida, os Tratados de Roma, de 25 de março de 1957, dando surgimento às três comunidades: CECA, CEE e Euratom, que criavam a Europa econômica ligando primeiramente 6 países e depois 9, em seguida 10, 12, hoje 15 e amanhã 27.
A dupla franco-alemã teve um papel essencial nesse processo. Foi por essa razão que, quarenta anos atrás, o General de Gaulle e o Chanceler Adenauer, a República Federal e a França decidiram selar através de um tratado a sua reconciliação. A reconciliação entre duas Nações que assentam os fundamentos de uma paz duradoura na Europa e da integração regional.
O documento assinado em 22 de janeiro de 1963 é um documento quadro. Ele estabelece os grandes objetivos da cooperação franco-alemã e define as regras institucionais de sua execução. Ele repousa em duas séries de disposições.
- Um calendário obrigatório de encontros regulares em todos os níveis (de Chefes de Estado – 2 reuniões de cúpula por ano, de Ministros – trimestral e entre altos funcionários) para assegurar a continuidade da cooperação.
- Um intercâmbio de cooperação concentrado em três áreas:
a juventude, as relações exteriores, a defesa.
Com o objetivo de colocar permanentemente em prática a reconciliação histórica da França e da Alemanha, foi dada uma ênfase especial à juventude dos dois países. Criou-se então, em julho de 1963, o Ofício Franco-Alemão da Juventude (OFAJ). Esse organismo possibilitou o encontro entre sete milhões de jovens dos dois países, porque o importante é unir os homens. Qual é o balanço desse tratado (para além das reuniões de cúpula, das reuniões ministeriais e dos encontros de jovens)?
São numerosos os avanços.
O Tratado inaugurou uma era de cooperação sem precedente entre nossos dois países, ao mesmo tempo em que dava um impulso decisivo à construção européia. Diálogo político estreito, cooperação econômica, cooperação em matéria de pesquisa, cultura e educação favorecem os intercâmbios entre as duas sociedades.
Eu gostaria de citar apenas alguns exemplos, alguns deles muito conhecidos, outros menos.
Em matéria econômica, a criação de empresas franco-alemãs como a EADS (Eurocopter-Airbus), nascida da fusão da Dasa e da Aérospatiale, a Aventis (Hoechst e Rhône-Poulenc),
a seguradora AGF, a cooperação Siemens-Framatone-Alcatel na área nuclear. No campo cultural: o canal de televisão franco-alemão ARTE, criado no final dos anos 80, um dos melhores canais europeus e dos mais originais, a Universidade Franco-Alemã, fundada em 1999. Sem falar das redes universitárias binacionais e dos diplomas franco-alemães. A Academia Franco-Alemã de Cinema, fundada em 2001. Simbólica e promissora é a formação entre dois antigos "inimigos hereditários" da brigada franco-alemã, criada em 1981, primeiro passo decisivo para a instauração de uma corporação militar européia alguns anos mais tarde.
Se a cooperação franco-alemã é dinâmica e soube inovar em áreas espetaculares como a cultura e a defesa, é porque ela é ao mesmo tempo de proximidade e institucional, porque o Tratado do Elysée é um tratado tanto de amizade quanto de cooperação. Por isso, a maioria das cidades da França, pequenas ou médias, são cidades-irmãs das cidades alemãs do Oeste, mas também do Leste depois da reunificação. Mas, além disso, o diálogo político franco-alemão é a base dos grandes avanços europeus: a reforma do sistema monetário europeu, empreendido por Helmut Schmidt e Valéry Giscard d'Estaing, nos anos 70, resultou na união monetária e, depois, na moeda única, o Euro.
Hoje, os avanços obtidos em quarenta anos de aproximação e cooperação deve dar à França e à Alemanha a capacidade de enfrentar os novos desafios da mundialização e dar prosseguimento à construção européia no momento de uma ampliação histórica da União.
Porque é uma constatação histórica, como declarou recentemente o Presidente Chirac: quando o motor franco-alemão funciona, a Europa progride, estagnando quando a relação entre a França e a Alemanha marca passo.
Por essa razão, na última reunião de cúpula franco-alemã (de Schewerin, em julho de 2002), o Chanceler e o Presidente da República destacaram a sua determinação em reinaugurar e aprofundar a relação franco-alemã. Porque o bom entendimento entre a Alemanha e a França é a chave dos progressos políticos da Europa. Não é a convergência de nossos pontos de vista que faz a nossa força, mas, acima de tudo, a nossa determinação no interesse comum, a serviço do empreendimento europeu, de superar nossas divergências quando existirem. É a nossa comunidade de destino e a nossa exigência do futuro que agora nos ditam essa vontade comum. O Tratado do Elysée está mais vivo do que nunca.