sexta-feira, março 09, 2007

Paráfrase



Renunciemos, minha alma, a esse mundo terreno:
Vã sua luz, seus dons, fingido mar sereno,
Mas sempre encapelado, ao mínimo soprar;
Deixemos o ouropel, não lhe demos guarida:
Foi Deus quem deu a vida,
A Ele cumpre amar.

Em vão, para servir coitadas ambições,
De príncipes e reis, vivemos nas mansões,
Inclinando a cerviz, sofrendo insulto atroz;
E é nada o seu poder: humanos são apenas,
Curtindo as mesmas penas,
Morrendo como nós.

Chegando a vida ao fim, transforma-se em poeira
Essa grandeza toda, esplêndida, altaneira,
Cujo brilho soberbo assombra a multidão;
E nesses mausoléus, onde homens orgulhosos
Continuam vaidosos,
Come-os a podridão.

E lá não têm mais vez monarcas, potentados,
Os árbitros da paz ou célebres soldados:
Se lhes falta o poder, não têm adulador;
Com o grande sofrerá idêntica ruína,
O que, por sua sina,
Só era servidor.


- François Malherbe, Paráfrase do Salmo CXLV