sexta-feira, agosto 11, 2006

Desprestígio das instituições

O emagrecimento do Estado, numa óptica Liberal, não passa pela extinção pura e simples de toda a máquina burocrática do Estado.

O núcleo de Estado necessário à vida quotidiana de todos os cidadãos do País, deve ser claro e concreto. Simples e preciso, e, acima de tudo respeitado e respeitável. E é aqui, neste último termo: respeitável, que reside o problema.

A título de exemplo, existe legislação a mais; legislação que é letra morta, por falta de aplicação. Mas, mais grave é a publicação de diplomas, aprovados e ratificados, que carecem à posteriori de, em publicação autónoma e extraordinária, de esclarecimentos e rectificações, e muitas vezes rectificações às rectificações!!!
Já não existem diplomas a salvo; não se pode confiar com rigor nos diplomas publicados, na eventualidade de ser publicada rectificação ou qualquer outro tipo de acrescento ou esclarecimento.

É o descrédito total e completo das instituições, que já de si, não dão provas de o serem.

As instituições neste País, pois é dele que se fala, são opacas, fósseis e descreditadas, e não há ninguém - ou eventualmente até existiria, que consiga por isto nos eixos.

Já Ramalho Ortigão, em 1877, dizia (mas nada muda neste País?!!!):

A crise economica não nos parece ter sido objecto de cuidados mais serios do que aquelles que cercaram a questão hydraulica. Ou é certo ou não é que a inundação do Tejo e os temporaes que concorreram com ella destruíram as casas, devastaram os campos, reduziram povoações inteiras á miseria e á fome. Se isto é uma pura invenção dos reporters sentimentaes, o diligente esforço humanitario empregado para arrancar da caridade o remedio supremo do grande mal é uma simples ostentação insensata e ridicula. Se são verdadeiras as informações que os jornaes vagamente nos transmittem das desgraças provenientes da inundação do Tejo e do Guadiana, n'esse caso a questão não se resolve pela caridade particular mas sim pela assistencia publica.

Porque—reflictamos um momento—ou existe esse conjuncto harmonico de instituições solidarias e responsaveis chamado o Estado, ou não existe.

Se não existe, em nome de que principio nos estão aqui a impôr o serviço militar, o exercito, as barreiras, as alfandegas, o funccionalismo e a lista civil?

Se o Estado existe, o que é para elle o lnundado? O Inundado é o productor e é o contribuinte. Agricultando o seu campo, creando o cavallo, engordando o boi, creando o porco, tosquiando a ovelha, pisando a azeitona, podando a cepa, descaseando o sobreiro, o Inundado desde tempos immemoraveis que não faz mais do que estas duas coisas: produz e paga.

(...)

Não sei realmente, querido Inundado, como poderás agradecer-nos tão reiterados e tão grandes beneficios! Como não sabes fazer mais nada, espero ao menos quo rezes por nós. Compenetra-te bem de quanto nos deves, e não te esqueças nunca, em primeiro logar de nos pagar as decimas, e em segumdo de nos encommendares a Deus em todas as tuas orações de manhã e de tarde para que o Altissimo vele constantemente pelos nossos preciosos e divertidos dias e nos dilate a vida pelos mais longos annos, como desejas e has mister.

Não te assustes, por quem és, com esse passageiro incidente da agua pela cinta. Mantem-te em uma attitude serena e firme. As cheias bolindo-se com ellas ainda enchem mais. Ao passo que, abandonadas a si mesmas, as cheias aborrecem-se e esvasiam. Por tanto deixa obrar a natureza. Logo que o tempo enxugue e os terrenos sequem, socega que irei ver-te. Podes desde já preparar a foguetada, o vivorio, e o publico regosijo, para receberes quem é devéras

Teu amo e protector

O Estado.

P. S. O bom amigo Luiz de Campos recommenda-se-te muito e manda perguntar-te como gostas mais da caridade, se escripta á latina com c a, ou á grega com c h a.