Epílogo Chicharral :))
Uma pessoa querida, ofereceu-me o livro do JCD, aka aka, Jaquizinhos, vulgo carrapau de escabeche :))
Voltei a ler um dos textos que mais gozo me deu ler na blogosfera, absolutamente imperdível e de ir às lágrimas!! Simplesmente extraordinário.
Aqui se reproduz, com o respectivo link - links lá:
Embora fora de tempo e depois do assunto já ter sido encerrado por terceiros, volto ao tema de debate com o Assembleia e com o Crítico. Vantagens de ter um blogue democrata liberal e individualista que fala do que quer, quando quer.
Resolvi entrevistar-me a mim próprio. Para isto parecer uma entrevista na TVI, o entrevistador vai personificar Manuela Moura Guedes.
----
MMG: Olá, eu sou a Manuela Moura Guedes. Uma menina de 9 anos foi atropelada por uma bicicleta em Pevidém e partiu uma unha. A TVI vai estar em directo do local do acidente neste jornal. Para já, uma entrevista com o autor de um blogue que se envolveu numa polémica, recentemente. Boa Noite, senhor Jaquinzinho, então como é que tudo isto começou?
Eu: Boa noite, Manuela. Tudo começou com um terrível erro. Uma tarde destas, quando regressava para o subúrbio onde resido, vinha eu do meu emprego numa empresa do sector terciário, dizia eu, em vez de sintonizar a Antena 2 deixei o rádio do carro utilitário na TSF. Involuntariamente, acabei por ouvir parte de uma entrevista de Maria João Pires a Carlos Vaz Marques. Nessa entrevista Maria João Pires fez algumas afirmações que erradamente interpretei como barbaridades.
MMG (espantada): Barbaridades? A Maria João Pires disse barbaridades?
Eu: Eu achava que sim. Mas estava errado. Como sabe ela até ganhou imensos prémios...
MMG: Como é evidente. Ninguém com um curriculum assim poderia dizer barbaridades. Mas afinal, o que é que ela teria dito?
Eu: Não me vou repetir, não tenho coragem... Compreenda que estou muito arrependido. Mas está tudo no meu blogue. Quem quiser pode ir lá e ler.
MMG: E, ao que sei, nesse seu blogue também inseriu umas frases suas que indignaram outros blógueres?
Eu: Sim. (Pausa) Gostei da maneira como aporteguesou bloggers. Vou passar a usar se não se importa...
MMG: De modo algum. Perguntava-lhe se tinha deixado outros blógueres indignados.
Eu: Exactamente. Nada de novo. Há sempre muitos blógueres indignados com o que escrevo. Sou muito insensível.
MMG: Hmmmm.... Então e que frases foram essas?
Eu: Foram muitas. Mas acho que a pior foi esta: "Por mim, depois de ouvir a entrevista de MJP, tenho sérias reservas à atribuição de subsídios públicos a MJP. O radicalismo das palavras da artista e algumas afirmações aflitivamente tontas não auguram nada de bom. Não pondo em causo o mérito de Balgais que me parece evidente, a subsidiação de projectos politicamente empenhados dá direito a qualquer um de nós para exigir o mesmo tratamento em projectos educativos próprios de qualquer índole." Referia-me à escola primária.
MMG (espantadíssima): Ooooohhhhhhh!!!! Você escreveu isso?
Eu: Escrevi. Nem sei o que me passou pela cabeça.
MMG: Balgais? Com ‘a’?
Eu: Sim. Foi uma grelha. Oops... enganei-me outra vez. Disse grelha em vez de grolha!
MMG: Ahahahahah.... Voltemos então a Bolgais, ahahah, ai que engraçado.
Eu: Ahahahah! Outra grulha!
MMG (Rindo com evidente prazer): Ahahahah. Aiiii... estou que nem posso. Ai... Bem, depois daquela frase infelicíssima houve uma reacção do Manuel Alçada.
Eu: Exactamente. Como é óbvio, chamou-me chicharro.
MMG: Foi muito moderado...
Eu: Pois foi. Além disso, escreveu: “Acredito que o Estado deve apoiar um bom projecto, quer este seja feito por MJP, JCD, o Papa ou o Louçã, mesmo que não concorde com uma palavra do que digam. Esta é uma das diferenças entre democracia e ditadura.”
MMG: Em itálico?
Eu: Não, a direito mesmo. Eu é que falei em itálico.
MMG: Itálico ou não, ele disse muito bem.
Eu: Pois disse. Mas na altura eu achava que tinha dito muito mal...
MMG (olhos esbugalhados): Achava?
Eu: Achava!
MMG: Porquê?
Eu: Dei uns exemplos no meu blogue. Um nazi, um terrorista ou uma pintora chanfrada podem apresentar bons projectos para educar as crianças dos outros. Eu achava que não queria que os meus filhos fossem educados por quem tivesse ideais racistas e também não queria que um alguém ensinasse a um filho meu as coisas que MJP disse na entrevista.
MMG: Ohhhhh.... E depois?
Eu: O Manuel explicou-me que o "estado deve dar dinheiro a qualquer chanfrado desde que este apresente um bom projecto, obedecendo às regras elementares de um Estado de Direito Democrático.”
MMG: O Manuel disse isso?
Eu: Não. Escreveu.
MMG: Não...
Eu: Sim. Está aqui.
MMG: O link não parece estar a funcionar...
Eu: Ahhh. Enganei-me outra vez. Lol! Aqui é que é.
MMG (Lendo...): Hmmm... Ele não disse exactamente isso.
Eu: Ai não? No post seguinte até escreveu: “O Estado deve apoiar o projecto do senhor neonazi? Se o projecto for válido, sim. Se incentivar à violência e à xenofobia, não.”
MMG: Ahhh... pois é. E você não concorda?
Eu: Não concordava. Agora, depois de ter sido elucidado, já concordo.
MMG: Já?
Eu: Já.
MMG: Oh! Mesmo que seja um projecto de um nazi?
Eu: Mesmo, já fui esclarecido. No papel, todos os projectos são válidos. Até havia um projecto de um filme sobre a Branca de Neve que depois de ter sido apoiado passou a ser sobre a Preta de Bréu. Mas como todos sabemos, isso não impediu o estado de continuar a apoiar o mesmo cineasta. Foi uma lição para todos nós, o estado deve apoiar todos.
MMG: Evidentemente. É para isso que serve o estado, não é?
Eu: É. Nazis, comunistas, alterglobalizadores, apresentadoras de telejornais, pianistas. Antes eu pensava que se o estado queria subsidiar a educação primária, o ideal era dar o dinheiro aos pais dos miúdos e eles poderiam escolher a escola livremente.
MMG: Vouchers? Que americanice...
Eu: Pois era. E também aprendi que o custo não interessa. Nem é preciso publicar as contas das organizações subsidiadas.
MMG: Irrelevante. Mais americanices.
Eu: Claro. E afinal, o que é que interessa quanto custa? Economicismos neoliberais! Bem, o que vale é que agora, reconheço que é muito melhor dar aos artistas todo o dinheiro que eles quiserem, para educarem os nossos filhos. Espero que lhes ensinem que nem todos os americanos são maus.
MMG (olhar incrédulo): Como assim? Existem americanos bons?
Eu: Claro. O Oliver Stone e o Michael Moore.
MMG: Pois é, tinha-me esquecido desses!
Eu: E quero que os miúdos saibam que a competitividade e o sucesso são coisas más, que o pior assassino do século XX foi Bush, e que no século XVIII as pessoas viviam muito melhor do que hoje. Coisas dessas.
MMG: As crianças precisam de aprender o que está certo. Então, e o que aconteceu depois?
Eu: Depois o senhor doutor crítico escreveu um manifesto anti-jaquinzinhos.
MMG: A sério? E o que é que ele disse?
Eu: Fez uma análise crítica profunda sobre a minha pessoa. Brilhante análise, diga-se. Descobri imensas coisas novas sobre mim, que ignorava.
MMG: Ah é? Tais como?
Eu: Não posso dizer. Se a minha mulher lê, põe-me a mala à porta.
MMG: Ooops... foi assim tão mau?
Eu: Sim... Foi horrível. Pôs-me no meu devido lugar, ao nível das paroquianas que cometem o crime de produzir ruídos parasitas com o abanar de leques enquanto as elites ouvem órgão. Ou pior ainda, dos pais que levam os filhos ranhosos a concertos e arrotam a menos de 200 metros das elites.
MMG: É triste dizê-lo... mas em Portugal, em 2003, ainda há gente assim, sem nível... é o que se pode esperar do governo que temos. E que mais disse ele?
Eu: Tantas coisas. Foi uma análise tão... tão... inteligente! Senti-me como um pequeno burguês nojento e inculto que vai para os centros comerciais arrastar-se, ouvir o Asere Je, vomitar ignorância, consumir produtos brancos...
MMG: Que horror... Imagino. Sentiu-se como alguém que não respeita O Mensch, Bewein dein' Sünde Gross, ou uma passacaglia em dó menor e um trio-sonata em Sol Maior...
Eu: Exactamente. Foi assim. Explicou muito bem, Manuela.
MMG: Obrigada. E mais?
Eu: Pedi-lhe humildemente desculpa por ser ignorante, analfabeto, inculto, egoísta, incapaz, pequeno, rural, tacanho, imbecil, fechado, cegueta, odiento, rancoroso, velhaco, invejoso, raivoso, fingidor, escarnecedor e por ter desdenhado do belo, do sábio, e do verdadeiro erudito, por ser incapaz de erudição. Rezei a noite toda, por ele.
MMG: Muito bem. Um verdadeiro acto de contrição.
Eu: Ele merecia-o. Iluminou-me e mostrou-me o caminho. O meu objectivo no mundo é pagar impostos para que algumas mentes privilegiadas possam assistir a espectáculos incompreensíveis pelo comum dos mortais, abaixo do custo. E ele foi nobre, aceitando a minha penitência. E voltou a dar-me na cabeça explicando que é impossível criticar as opiniões políticas de Maria João Pires porque ela toca piano divinamente. É totalmente verdade. Todos sabemos que Bach seria um excelente Ministro das Finanças.
MMG: Evidentemente. E então, o que vai fazer agora?
Eu: Vou trabalhar melhor e aumentar a minha produtividade, agora que descobri o meu papel na sociedade. Vou pagar os impostos com um sorriso porque sei que estou a contribuir para que alguém possa ser ainda mais feliz. Alguém que não vê o mundo pelo seu umbigo.
MMG: Pelo meu umbigo?
Eu: Não, pelo dele.
MMG: ahhh, pois... Caro bloguista, só mais uma questão. Por que razão aceitou dar esta entrevista? Foi só para pedir a remissão dos seus pecados?
Eu: Não só. Mas também porque percebi que tinha interpretado mal a situação. Sabe, afinal o elitismo do crítico tinha uma perspectiva ainda mais ampla, de pensamento e cultura, de humanismo e sensibilidade. Quando me apercebi, não resisti a tamanho altruismo. Caíram-me as lágrimas.
...(segundos de silêncio)
MMG: Que bonito.
Eu: É. Apetecia-me dar pontapés nos pais dos miúdos ranhosos que negam o direito de um pobre sem abrigo a escutar em silêncio um recital de órgão na Sé com entrada livre, sem ruído de fundo.
MMG: Dramático.
EuÉ. Percebi que se o estado subsidiar a ópera, o sem abrigo pode assistir ao concerto no S.Carlos, sem ser incomodado pelo barulho de insensíveis como eu.
MMG. Claro. Foi muito insensível.
Eu: Pois fui.
MMG: Pois foi.
Eu: Pois fui.
MMG: Pois foi.
Eu. Eu sei. Desculpem-me.
...silêncio...
MMG: Obrigado por esta entrevista. Passemos a um assunto mais importante. Um assalto a uma mercearia em Barroselas acabou mal. A dona da mercearia agrediu o assaltante, um cantor de ópera desempregado, com uma colher de pau. Em directo do local...
Voltei a ler um dos textos que mais gozo me deu ler na blogosfera, absolutamente imperdível e de ir às lágrimas!! Simplesmente extraordinário.
Aqui se reproduz, com o respectivo link - links lá:
Embora fora de tempo e depois do assunto já ter sido encerrado por terceiros, volto ao tema de debate com o Assembleia e com o Crítico. Vantagens de ter um blogue democrata liberal e individualista que fala do que quer, quando quer.
Resolvi entrevistar-me a mim próprio. Para isto parecer uma entrevista na TVI, o entrevistador vai personificar Manuela Moura Guedes.
----
MMG: Olá, eu sou a Manuela Moura Guedes. Uma menina de 9 anos foi atropelada por uma bicicleta em Pevidém e partiu uma unha. A TVI vai estar em directo do local do acidente neste jornal. Para já, uma entrevista com o autor de um blogue que se envolveu numa polémica, recentemente. Boa Noite, senhor Jaquinzinho, então como é que tudo isto começou?
Eu: Boa noite, Manuela. Tudo começou com um terrível erro. Uma tarde destas, quando regressava para o subúrbio onde resido, vinha eu do meu emprego numa empresa do sector terciário, dizia eu, em vez de sintonizar a Antena 2 deixei o rádio do carro utilitário na TSF. Involuntariamente, acabei por ouvir parte de uma entrevista de Maria João Pires a Carlos Vaz Marques. Nessa entrevista Maria João Pires fez algumas afirmações que erradamente interpretei como barbaridades.
MMG (espantada): Barbaridades? A Maria João Pires disse barbaridades?
Eu: Eu achava que sim. Mas estava errado. Como sabe ela até ganhou imensos prémios...
MMG: Como é evidente. Ninguém com um curriculum assim poderia dizer barbaridades. Mas afinal, o que é que ela teria dito?
Eu: Não me vou repetir, não tenho coragem... Compreenda que estou muito arrependido. Mas está tudo no meu blogue. Quem quiser pode ir lá e ler.
MMG: E, ao que sei, nesse seu blogue também inseriu umas frases suas que indignaram outros blógueres?
Eu: Sim. (Pausa) Gostei da maneira como aporteguesou bloggers. Vou passar a usar se não se importa...
MMG: De modo algum. Perguntava-lhe se tinha deixado outros blógueres indignados.
Eu: Exactamente. Nada de novo. Há sempre muitos blógueres indignados com o que escrevo. Sou muito insensível.
MMG: Hmmmm.... Então e que frases foram essas?
Eu: Foram muitas. Mas acho que a pior foi esta: "Por mim, depois de ouvir a entrevista de MJP, tenho sérias reservas à atribuição de subsídios públicos a MJP. O radicalismo das palavras da artista e algumas afirmações aflitivamente tontas não auguram nada de bom. Não pondo em causo o mérito de Balgais que me parece evidente, a subsidiação de projectos politicamente empenhados dá direito a qualquer um de nós para exigir o mesmo tratamento em projectos educativos próprios de qualquer índole." Referia-me à escola primária.
MMG (espantadíssima): Ooooohhhhhhh!!!! Você escreveu isso?
Eu: Escrevi. Nem sei o que me passou pela cabeça.
MMG: Balgais? Com ‘a’?
Eu: Sim. Foi uma grelha. Oops... enganei-me outra vez. Disse grelha em vez de grolha!
MMG: Ahahahahah.... Voltemos então a Bolgais, ahahah, ai que engraçado.
Eu: Ahahahah! Outra grulha!
MMG (Rindo com evidente prazer): Ahahahah. Aiiii... estou que nem posso. Ai... Bem, depois daquela frase infelicíssima houve uma reacção do Manuel Alçada.
Eu: Exactamente. Como é óbvio, chamou-me chicharro.
MMG: Foi muito moderado...
Eu: Pois foi. Além disso, escreveu: “Acredito que o Estado deve apoiar um bom projecto, quer este seja feito por MJP, JCD, o Papa ou o Louçã, mesmo que não concorde com uma palavra do que digam. Esta é uma das diferenças entre democracia e ditadura.”
MMG: Em itálico?
Eu: Não, a direito mesmo. Eu é que falei em itálico.
MMG: Itálico ou não, ele disse muito bem.
Eu: Pois disse. Mas na altura eu achava que tinha dito muito mal...
MMG (olhos esbugalhados): Achava?
Eu: Achava!
MMG: Porquê?
Eu: Dei uns exemplos no meu blogue. Um nazi, um terrorista ou uma pintora chanfrada podem apresentar bons projectos para educar as crianças dos outros. Eu achava que não queria que os meus filhos fossem educados por quem tivesse ideais racistas e também não queria que um alguém ensinasse a um filho meu as coisas que MJP disse na entrevista.
MMG: Ohhhhh.... E depois?
Eu: O Manuel explicou-me que o "estado deve dar dinheiro a qualquer chanfrado desde que este apresente um bom projecto, obedecendo às regras elementares de um Estado de Direito Democrático.”
MMG: O Manuel disse isso?
Eu: Não. Escreveu.
MMG: Não...
Eu: Sim. Está aqui.
MMG: O link não parece estar a funcionar...
Eu: Ahhh. Enganei-me outra vez. Lol! Aqui é que é.
MMG (Lendo...): Hmmm... Ele não disse exactamente isso.
Eu: Ai não? No post seguinte até escreveu: “O Estado deve apoiar o projecto do senhor neonazi? Se o projecto for válido, sim. Se incentivar à violência e à xenofobia, não.”
MMG: Ahhh... pois é. E você não concorda?
Eu: Não concordava. Agora, depois de ter sido elucidado, já concordo.
MMG: Já?
Eu: Já.
MMG: Oh! Mesmo que seja um projecto de um nazi?
Eu: Mesmo, já fui esclarecido. No papel, todos os projectos são válidos. Até havia um projecto de um filme sobre a Branca de Neve que depois de ter sido apoiado passou a ser sobre a Preta de Bréu. Mas como todos sabemos, isso não impediu o estado de continuar a apoiar o mesmo cineasta. Foi uma lição para todos nós, o estado deve apoiar todos.
MMG: Evidentemente. É para isso que serve o estado, não é?
Eu: É. Nazis, comunistas, alterglobalizadores, apresentadoras de telejornais, pianistas. Antes eu pensava que se o estado queria subsidiar a educação primária, o ideal era dar o dinheiro aos pais dos miúdos e eles poderiam escolher a escola livremente.
MMG: Vouchers? Que americanice...
Eu: Pois era. E também aprendi que o custo não interessa. Nem é preciso publicar as contas das organizações subsidiadas.
MMG: Irrelevante. Mais americanices.
Eu: Claro. E afinal, o que é que interessa quanto custa? Economicismos neoliberais! Bem, o que vale é que agora, reconheço que é muito melhor dar aos artistas todo o dinheiro que eles quiserem, para educarem os nossos filhos. Espero que lhes ensinem que nem todos os americanos são maus.
MMG (olhar incrédulo): Como assim? Existem americanos bons?
Eu: Claro. O Oliver Stone e o Michael Moore.
MMG: Pois é, tinha-me esquecido desses!
Eu: E quero que os miúdos saibam que a competitividade e o sucesso são coisas más, que o pior assassino do século XX foi Bush, e que no século XVIII as pessoas viviam muito melhor do que hoje. Coisas dessas.
MMG: As crianças precisam de aprender o que está certo. Então, e o que aconteceu depois?
Eu: Depois o senhor doutor crítico escreveu um manifesto anti-jaquinzinhos.
MMG: A sério? E o que é que ele disse?
Eu: Fez uma análise crítica profunda sobre a minha pessoa. Brilhante análise, diga-se. Descobri imensas coisas novas sobre mim, que ignorava.
MMG: Ah é? Tais como?
Eu: Não posso dizer. Se a minha mulher lê, põe-me a mala à porta.
MMG: Ooops... foi assim tão mau?
Eu: Sim... Foi horrível. Pôs-me no meu devido lugar, ao nível das paroquianas que cometem o crime de produzir ruídos parasitas com o abanar de leques enquanto as elites ouvem órgão. Ou pior ainda, dos pais que levam os filhos ranhosos a concertos e arrotam a menos de 200 metros das elites.
MMG: É triste dizê-lo... mas em Portugal, em 2003, ainda há gente assim, sem nível... é o que se pode esperar do governo que temos. E que mais disse ele?
Eu: Tantas coisas. Foi uma análise tão... tão... inteligente! Senti-me como um pequeno burguês nojento e inculto que vai para os centros comerciais arrastar-se, ouvir o Asere Je, vomitar ignorância, consumir produtos brancos...
MMG: Que horror... Imagino. Sentiu-se como alguém que não respeita O Mensch, Bewein dein' Sünde Gross, ou uma passacaglia em dó menor e um trio-sonata em Sol Maior...
Eu: Exactamente. Foi assim. Explicou muito bem, Manuela.
MMG: Obrigada. E mais?
Eu: Pedi-lhe humildemente desculpa por ser ignorante, analfabeto, inculto, egoísta, incapaz, pequeno, rural, tacanho, imbecil, fechado, cegueta, odiento, rancoroso, velhaco, invejoso, raivoso, fingidor, escarnecedor e por ter desdenhado do belo, do sábio, e do verdadeiro erudito, por ser incapaz de erudição. Rezei a noite toda, por ele.
MMG: Muito bem. Um verdadeiro acto de contrição.
Eu: Ele merecia-o. Iluminou-me e mostrou-me o caminho. O meu objectivo no mundo é pagar impostos para que algumas mentes privilegiadas possam assistir a espectáculos incompreensíveis pelo comum dos mortais, abaixo do custo. E ele foi nobre, aceitando a minha penitência. E voltou a dar-me na cabeça explicando que é impossível criticar as opiniões políticas de Maria João Pires porque ela toca piano divinamente. É totalmente verdade. Todos sabemos que Bach seria um excelente Ministro das Finanças.
MMG: Evidentemente. E então, o que vai fazer agora?
Eu: Vou trabalhar melhor e aumentar a minha produtividade, agora que descobri o meu papel na sociedade. Vou pagar os impostos com um sorriso porque sei que estou a contribuir para que alguém possa ser ainda mais feliz. Alguém que não vê o mundo pelo seu umbigo.
MMG: Pelo meu umbigo?
Eu: Não, pelo dele.
MMG: ahhh, pois... Caro bloguista, só mais uma questão. Por que razão aceitou dar esta entrevista? Foi só para pedir a remissão dos seus pecados?
Eu: Não só. Mas também porque percebi que tinha interpretado mal a situação. Sabe, afinal o elitismo do crítico tinha uma perspectiva ainda mais ampla, de pensamento e cultura, de humanismo e sensibilidade. Quando me apercebi, não resisti a tamanho altruismo. Caíram-me as lágrimas.
...(segundos de silêncio)
MMG: Que bonito.
Eu: É. Apetecia-me dar pontapés nos pais dos miúdos ranhosos que negam o direito de um pobre sem abrigo a escutar em silêncio um recital de órgão na Sé com entrada livre, sem ruído de fundo.
MMG: Dramático.
EuÉ. Percebi que se o estado subsidiar a ópera, o sem abrigo pode assistir ao concerto no S.Carlos, sem ser incomodado pelo barulho de insensíveis como eu.
MMG. Claro. Foi muito insensível.
Eu: Pois fui.
MMG: Pois foi.
Eu: Pois fui.
MMG: Pois foi.
Eu. Eu sei. Desculpem-me.
...silêncio...
MMG: Obrigado por esta entrevista. Passemos a um assunto mais importante. Um assalto a uma mercearia em Barroselas acabou mal. A dona da mercearia agrediu o assaltante, um cantor de ópera desempregado, com uma colher de pau. Em directo do local...