No país das maravilhas
Publico a crónica, de Helena Sacadura Cabral.
Ao ler, hoje, a sua crónica, revi a dimensão humana e mais intíma da política; e pensei nas 'dores e sofrimentos' que a mesma acarreta.
Apenas seres humanos. Com alegria e tristeza. Mas, sempre, com sentimentos.
As famílias, os amigos.
Aqueles que nos amam, e que nós amamos.
Aqueles que são porto e refúgio das tempestades.
Aqueles que, independentemente de tudo, estão lá. Mais visíveis ou menos vísiveis.
Que estão para nós, por nós, para as nossas mágoas - umas mais aparentes, e a maior parte, 'escondidas'.
Que nos acompanham nas subidas, mas principalmente, nas descidas.
Que são, enfim, a razão e o sal de seguir em frente.
Apanhei a queda do Governo no lançamento do último livro da minha amiga Luísa Beltrão, o qual, por mero acaso, se chama Uma Pedra no Sapato.
A notícia veio através duma mensagem no telemóvel posto em silêncio, e dizia apenas «o teu filho caiu». No momento só me lembrei do mais velho e do seu vai-e-vem aéreo semanal. Fiquei lívida, o coração disparou e eu não consegui, sequer, reagir.
Por alguns segundos perdi completamente a noção do tempo e do local onde me encontrava.
Quando me recompus, saí da sala numa reacção automática. Nesse instante um amigo que chegava atrasado, pressentindo que eu não estava bem, disse-me a sorrir: «Não me digas que a tua palidez se deve à queda do Governo!»
Foi assim que esta mãe de família tomou conhecimento da «prenda natalícia» que o Dr. Jorge Sampaio nos reservou para as festas que se aproximam.
Minutos depois, já serena, voltei para a sala. Mas continuava ainda algo duvidosa da veracidade da notícia que, se me tranquilizou sobre o destino do mais velho, me inquietou sobre o presente do mais novo.
Ouvi a excelente apresentação feita pela Rita Ferro, abracei a Luísa e só depois tentei apurar a verdade.
Que veio confirmar a infeliz mensagem inicial. Lembrei-me, então, do título do livro acabado de sair e de como ele se adequava à singular ocasião!
Esta longa introdução serve para explicar as palavras que se seguem. Escrevo-as no dia do meu aniversário, que, também por coincidência, é o mesmo do Dr. Mário Soares. Porém, ao contrário dele, que está contente, eu estou muito preocupada.
Certamente que o facto se ficará a dever às nossas diferenças etárias e ideológicas.
Ou, quem sabe, talvez ele tenha sobre o assunto mais informação que todos nós, que ainda não ouvimos qualquer explicação do Chefe Supremo da Nação.
Sinto-me a viver num país estranho em que tudo pode ser e deixar de ser ao mesmo tempo, em que o verdadeiro e o seu contrário são ambos a mesma coisa, em que o Governo existe e não existe, em que o Parlamento está e não está dissolvido, em que estas linhas e o seu oposto são exactamente o mesmo, em que o Paulo é o Miguel, ou o contrário, enfim, em que eu própria chego a duvidar se existo.
O que do ponto de vista filosófico e emocional, e tendo em conta o extremo absurdo que constitui a nossa normalidade, pode levantar-nos dúvidas até sobre a existência do país.
Estamos a viver uma situação política de potencial demência, em que somos e não somos em simultâneo.
Se na semana passada vos dava conta das minhas dificuldades na percepção da pergunta aprovada para referendo, agora a minha perplexidade é total. Não consigo perceber o país em que vivo e tenho comigo milhões de pessoas que não podem, por esse facto, ser consideradas mentecaptas.
Por mais que me esforce para explicar aos amigos estrangeiros o que nos aconteceu, ninguém consegue entender. E aconselham-me a que vá para o pé deles, numa tentativa de me pouparem ao ciclone que se avizinha.
A curto prazo, a alternativa será passar a chamar-me Alice e acreditar que vivo no país das maravilhas.
Ao ler, hoje, a sua crónica, revi a dimensão humana e mais intíma da política; e pensei nas 'dores e sofrimentos' que a mesma acarreta.
Apenas seres humanos. Com alegria e tristeza. Mas, sempre, com sentimentos.
As famílias, os amigos.
Aqueles que nos amam, e que nós amamos.
Aqueles que são porto e refúgio das tempestades.
Aqueles que, independentemente de tudo, estão lá. Mais visíveis ou menos vísiveis.
Que estão para nós, por nós, para as nossas mágoas - umas mais aparentes, e a maior parte, 'escondidas'.
Que nos acompanham nas subidas, mas principalmente, nas descidas.
Que são, enfim, a razão e o sal de seguir em frente.
Apanhei a queda do Governo no lançamento do último livro da minha amiga Luísa Beltrão, o qual, por mero acaso, se chama Uma Pedra no Sapato.
A notícia veio através duma mensagem no telemóvel posto em silêncio, e dizia apenas «o teu filho caiu». No momento só me lembrei do mais velho e do seu vai-e-vem aéreo semanal. Fiquei lívida, o coração disparou e eu não consegui, sequer, reagir.
Por alguns segundos perdi completamente a noção do tempo e do local onde me encontrava.
Quando me recompus, saí da sala numa reacção automática. Nesse instante um amigo que chegava atrasado, pressentindo que eu não estava bem, disse-me a sorrir: «Não me digas que a tua palidez se deve à queda do Governo!»
Foi assim que esta mãe de família tomou conhecimento da «prenda natalícia» que o Dr. Jorge Sampaio nos reservou para as festas que se aproximam.
Minutos depois, já serena, voltei para a sala. Mas continuava ainda algo duvidosa da veracidade da notícia que, se me tranquilizou sobre o destino do mais velho, me inquietou sobre o presente do mais novo.
Ouvi a excelente apresentação feita pela Rita Ferro, abracei a Luísa e só depois tentei apurar a verdade.
Que veio confirmar a infeliz mensagem inicial. Lembrei-me, então, do título do livro acabado de sair e de como ele se adequava à singular ocasião!
Esta longa introdução serve para explicar as palavras que se seguem. Escrevo-as no dia do meu aniversário, que, também por coincidência, é o mesmo do Dr. Mário Soares. Porém, ao contrário dele, que está contente, eu estou muito preocupada.
Certamente que o facto se ficará a dever às nossas diferenças etárias e ideológicas.
Ou, quem sabe, talvez ele tenha sobre o assunto mais informação que todos nós, que ainda não ouvimos qualquer explicação do Chefe Supremo da Nação.
Sinto-me a viver num país estranho em que tudo pode ser e deixar de ser ao mesmo tempo, em que o verdadeiro e o seu contrário são ambos a mesma coisa, em que o Governo existe e não existe, em que o Parlamento está e não está dissolvido, em que estas linhas e o seu oposto são exactamente o mesmo, em que o Paulo é o Miguel, ou o contrário, enfim, em que eu própria chego a duvidar se existo.
O que do ponto de vista filosófico e emocional, e tendo em conta o extremo absurdo que constitui a nossa normalidade, pode levantar-nos dúvidas até sobre a existência do país.
Estamos a viver uma situação política de potencial demência, em que somos e não somos em simultâneo.
Se na semana passada vos dava conta das minhas dificuldades na percepção da pergunta aprovada para referendo, agora a minha perplexidade é total. Não consigo perceber o país em que vivo e tenho comigo milhões de pessoas que não podem, por esse facto, ser consideradas mentecaptas.
Por mais que me esforce para explicar aos amigos estrangeiros o que nos aconteceu, ninguém consegue entender. E aconselham-me a que vá para o pé deles, numa tentativa de me pouparem ao ciclone que se avizinha.
A curto prazo, a alternativa será passar a chamar-me Alice e acreditar que vivo no país das maravilhas.