Apenas porque.. existiram
Francisco Sá Carneiro e Adelino Amaro da Costa
Pensa o sentimento, sente o pensamento;
que teus cantos façam ninho sobre a terra,
e quando, em voo, um dia ao céu se ergam
nas nuvens não se percam.
Precisam de sentir peso nas asas,
pois a coluna de fumo se dispersa;
algo que não é música é a poesia;
só fica a que se pensa.
O pensado, não o duvides, é o sentido.
Sentimento puro? Quem nele creia
da fonte do sentir nunca atingiu
a veia mais secreta.
Não cuides em excesso da roupagem,
não de alfaiate, é de escultor tua tarefa,
não te esqueças que nunca mais formosa
que nua está a ideia.
Não o que a alma encarna em carne, lembra-te,
não o que forma dá à ideia, é o poeta,
mas o que encontra a alma sob a carne,
sob a forma encontra a ideia.
É o detrito das fórmulas que faz
que nos vele a verdade, rude, a ciência;
despe-a com tuas mãos e os teus olhos
terão sua beleza.
Busca as linhas de um nu, que embora trates
de envolver-nos no, vago de uma névoa,
mesmo a névoa tem linhas e esculpe-se;
abre os olhos, não as percas.
Que teus cantos sejam cantos esculpidos,
âncora na terra enquanto eles se elevam,
a linguagem é sobretudo pensamento,
pensada é sua beleza.
Em verdades do espírito prendamos
as entranhas das formas passageiras,
que a Ideia reine em tudo, soberana:
esculpamos, pois, a névoa.
- Miguel de Unamuno
Francisco Sá Carneiro e Adelino Amaro da Costa
Pensa o sentimento, sente o pensamento;
que teus cantos façam ninho sobre a terra,
e quando, em voo, um dia ao céu se ergam
nas nuvens não se percam.
Precisam de sentir peso nas asas,
pois a coluna de fumo se dispersa;
algo que não é música é a poesia;
só fica a que se pensa.
O pensado, não o duvides, é o sentido.
Sentimento puro? Quem nele creia
da fonte do sentir nunca atingiu
a veia mais secreta.
Não cuides em excesso da roupagem,
não de alfaiate, é de escultor tua tarefa,
não te esqueças que nunca mais formosa
que nua está a ideia.
Não o que a alma encarna em carne, lembra-te,
não o que forma dá à ideia, é o poeta,
mas o que encontra a alma sob a carne,
sob a forma encontra a ideia.
É o detrito das fórmulas que faz
que nos vele a verdade, rude, a ciência;
despe-a com tuas mãos e os teus olhos
terão sua beleza.
Busca as linhas de um nu, que embora trates
de envolver-nos no, vago de uma névoa,
mesmo a névoa tem linhas e esculpe-se;
abre os olhos, não as percas.
Que teus cantos sejam cantos esculpidos,
âncora na terra enquanto eles se elevam,
a linguagem é sobretudo pensamento,
pensada é sua beleza.
Em verdades do espírito prendamos
as entranhas das formas passageiras,
que a Ideia reine em tudo, soberana:
esculpamos, pois, a névoa.
- Miguel de Unamuno