sexta-feira, dezembro 29, 2006

Cheques & Balanças!!

Um amigo meu disse-me:

Sabes que há uns ilustres que traduzem Checks & Balances em Cheques e Balanças?!!

Monumental piada!! Principalmente porque, fica mal a ilustres tamanha selvajaria! Enfim ... é caso para uma valente e saudável gargalhada!

Falávamos, portanto, em Cheques e Balanças, ou mais comunmente, fiscalização/avaliação/análise da gestão.

No que toca ao Ano que finda, 2006, a governação de Portugal está à vista! Mas, mesmo à vista. É caso de pura propaganda e publicidade.
O Governo (des)governa.
A economia, está pelas ruas da amargura.
As pessoas, idem, idem. De facto, o exemplo é péssimo, mas as pessoas perderam referências que deviam ser inatas.

Vou ao baú buscar umas tiradas de Novecentos, quando o panorama nacional não era diferente do actual, porque, a bem da verdade, nada mudou desde então!!

Em Portugal o que succede?

A vida intellectual é extremamente debil. A sciencia não tem cultores desinteressados e ardentes, a acção da arte sobre a aspiração dos espiritos é nulla.

O resultado é que os partidos de opposição, não encontrando nos phenomenos da vida nacional a profunda expressão implacavel de novas necessidades a que os governos tenham de amoldar-se, acham-se naturalmente desarmados das grandes rasões que reptam os governos a progredir ou a abdicar.

Em taes condições o partido revolucionario dentro da milicia politica, partido fabricado pelos proprios governos com a corrupção do suffragio,—sendo uma pura convenção, uma fixão constitucional, uma expressão rhetorica, sem raizes na consciencia e na vontade popular,—acabou por desapparecer inteiramente do nosso systema representativo. Ha muitos annos que a revolução não tem quem a represente no parlamento portuguez.

Ha, todavia, uma maioria parlamentar e uma opposição composta de varios grupos dissidentes. Estes grupos são fragmentos dispersos do unico partido existente—o partido conservador—fragmentos cuja gravitação constitue o organismo do poder legislativo.

Estes partidos, todos conservadores, não tendo principios proprios nem idéas fundamentaes que os distingam uns dos outros, sendo absolutamente indifferente para a ordem e para o progresso que governe um d'elles ou que governe qualquer dos outros, conchavaram-se todos e resolveram de commum accordo revesarem-se no podler e governarem alternadamente segundo o lado para que as despesas da rhetorica nos debates ou a força da corrupção na urna fizesse pesar a balança da regia escolha. Tal é o espectaculo recreativo que ha vinte annos nos esta dando a representação nacional.

Imaginem meia duzia de almocreves sequiosos que acham na estrada um pipo de vinho. Como nenhum d'elles tem mais direito que os outros a beber do pipo, combina-se que cada um d'elles ponha a bocca ao espicho e beba em quanto os pontapés dos outros o não contundirem até o ponto de o obrigar a largar as mãos da vasilha para as apertar na parte ferida pelos pontapés applicados pela companhia que espera. É exactamente o que ha muito tempo tem sido feito pelos partidos portuguezes com relação ao usofructo do poder que elles acharam na estrada, perdido.

Chegou finalmente a vez de pôr o pipo á bocca um partido excepcionalmente valoroso de sede e inconfundivel de fibra. Este partido não desemboca o pipo por mais que lhe façam. Protestações escandalisadas, de almocreves, retroam.

—Este partido abusa!

—Isto não vale!

—Isto não é do jogo!

—Elle esvasia o pipo!

—Larga o pipo, pipa!

—Larga o pipo, pimpão!

—Larga o pipo, ladrão!

E incitam-se uns aos outros até á ferocidade:

—Chega-lhe rijo!

—Mais! que lhe dôa bem!

—Rebenta-me esse ôdre!

—Racha-me esse tunel!

—Ah! cão!


O partido, porém, continua sempre a beber, e é insensivel a tudo: á dor, ao insulto, ao chasco, ao improperio, á graça pesada, á insinuação perfida e á alusão venenosa!

Em vista de uma tal pertinacia, que nós mesmos somos forçados a taxar de irregular, os partidos em expectativa do pipo, confederam-se, ferem o pacto da Granja, constituem-se n'um só partido novo,—n'uma só bocca para o pipo. Fazem um programma, redigem um manifesto, vão de terra em terra pedindo ao paiz que intervenha. Precisamente lhes occorreu n'esse momento que o pipo tem dono! que é do paiz o pipo!

Instado a intervir pelos pactuantes da Granja, pelos signatarios do manifesto, pelos auctores do novo programma, pelos oradores dos meetings revolucionarios, pelos jornaes opposicionistas, o paiz responde-lhes:

Lestes a historia do sabio burro lazarento contada pelas Farpas? Eu sou esse burro. Vós sois a revoada das novas moscas pretendendo expulsar a revoada velha. Ora, moscas por moscas—sendo meu destino que ellas sempre me cubram e me comam—prefiro as antigas moscas saciadas ás novas moscas famintas.

Deixae-me em paz. E notae que eu nem sequer vos abano as orelhas,—que é para não bolir comigo!


- As Farpas: Chronica Mensal da Politica, das Letras e dos Costumes
Janeiro a Fevereiro de 1877