sábado, abril 16, 2005

Catapultas

«O americano típico, para um francês, é o que não distingue um bom vinho tinto de suco de uva, ou de óleo de motor.»

Durante a Peste Negra que assolou a Europa no século XIV era comum usarem os corpos de pesteados como armas, catapultando-os por sobre as muralhas de cidades sitiadas para infectar sua população. Nem sempre dava certo.

- General, os habitantes da cidade estão simplesmente fugindo dos corpos pesteados.

- Comecem a catapultar pesteados ainda vivos. Assim eles podem correr atrás dos que fogem.

- Sim senhor.

Em certos casos, os sitiantes recorriam a métodos mais sofisticados para solapar a moral da cidade cercada. Se era grande a coesão entre os sitiados, por exemplo...

- Preparem os intrigantes.

Uma salva de intrigantes era disparada pelas catapultas sobre a cidade, onde espalhariam boatos infundados e semeariam a discórdia.

Ou então:

- Mandem os sofistas!

Swush, swush, swush, lá iam os sofistas por cima dos muros, para começar discussões filosóficas sobre a futilidade ou não de resistir, ou da existência humana em geral.

Ou, quando a resistência parecia que não ia ceder mesmo, vinha a ordem:

- Disparar inconsequentes!

E choviam inconsequentes sobre a cidade sitiada, que em pouco tempo estaria distraída com assuntos que não tinham nada a ver com a sua situação, descuidaria da defesa e seria facilmente conquistada.

Você às vezes não sente que estamos numa cidade sobre a qual catapultaram inconsequentes para distrair nossa atenção com outros assuntos enquanto nos saqueiam?

Autoridade

Se você pedir a um americano que faça uma caricatura do que há de mais besta num francês é quase certo que ela terá alguma coisa a ver com vinho. Um francês comentando o carácter, as nuanças, a metafísica e até o sexo de um vinho é, para o americano, o máximo da empulhação pretensiosa. Já o americano típico, para um francês, é o que não distingue um bom vinho tinto de suco de uva, ou de óleo de motor. Alexis de Tocqueville, um dos primeiros franceses a tentar entender a América, já tinha escrito no século XIX que os americanos desconfiavam de qualquer noção de autoridade em matéria de gosto, principalmente vinda da Europa. Por isso não deixa de ser irónico que hoje a maior autoridade em vinhos no mundo, com influência directa no gosto dos franceses e no produto dos seus vinhedos, seja um americano. Robert Parker não é apenas o mais reconhecido crítico de vinho da actualidade, suas cotações determinam o sucesso ou a ruína de safras inteiras, e já há a acusação de que muitos produtores estão fazendo seus vinhos para agradar ao paladar do americano, que gosta de muita fruta, muito álcool e muito carvalho. Apesar do seu poder sobre os franceses, Parker mantém um estilo americano no que escreve: pouca poesia, pouca alusão a outras artes ou a características humanas («um vinho algo reticente, mas divertido») e nenhuma metafísica. Sem empulhação, dizem seus admiradores. Os franceses devem dar de ombros e dizer algo como «beu», resignadamente.

Que semana

Da série «Poesia numa hora destas?!»

Você talvez tenha
se confundido
com o noticiário.
O Papa e o Rainier morreram
o Charles e a Camila se casaram - e não o contrário.

- Luís Fernando Veríssimo (lverissimo@mail.expresso.pt)