segunda-feira, dezembro 20, 2004

Dragão e Cavalheiro



O Dragoscópio fez um ano de publicações - 18/12, ao Cavalheiro Dragão, cumprimentos e votos de contínuas labaredas!

Conheço a minha sina. Um dia, o meu nome será ligado à lembrança de algo tremendo – de uma crise como jamais houve sobre a Terra, da mais profunda colisão de consciências, de uma decisão conjurada contra tudo o que até então foi acreditado, santificado, requerido.

Eu não sou um homem, sou dinamite. E com tudo isso nada tenho de fundador de religião – religiões são assunto da plebe, eu sinto necessidade de lavar as mãos após o contacto com pessoas religiosas... Não quero “crentes”, creio ser demasiado malicioso para crer em mim mesmo, nunca me dirijo às massas... Tenho um medo pavoroso de que um dia me declarem santo: perceberão que publico este livro antes, ele deve evitar que se cometam abusos comigo... Eu não quero ser um santo, seria antes um bufão... Talvez eu seja um bufão... E apesar disso, ou melhor, não apesar disso – pois até o momento nada houve mais mendaz do que os santos –, a verdade fala em mim. – Mas a minha verdade é terrível: pois até agora chamou-se à mentira verdade.

– Tresvaloração de todos os valores: eis a minha fórmula para um ato de suprema autognose da humanidade, que em mim se fez gênio e carne. Minha sina quer que eu seja o primeiro homem decente que eu me veja em oposição à mendacidade de milênios... Eu fui o primeiro a descobrir a verdade, a sentir por primeiro a mentira como mentira – ao cheirar ... Meu gênio está nas narinas... Eu contradigo como nunca foi contradito, e sou contudo o oposto de um espírito negador. Eu sou um mensageiro alegre, como nunca houve, eu conheço tarefas de uma altura tal que até então inexistiu noção para elas, somente a partir de mim há novamente esperanças. Com tudo isso sou necessariamente também o homem da fatalidade. Pois quando a verdade sair em luta contra a mentira de milênios, teremos comoções, um espasmo de terremoto, um deslocamento de montes e vales como jamais foi sonhado. A noção de política estará então completamente dissolvida em uma guerra de espíritos, todas as formações de poder da velha sociedade terão explodido pelos ares – todas se baseiam inteiramente na mentira: haverá guerras como ainda não houve sobre a Terra. Somente a partir de mim haverá grande política na Terra.


- F. Nietzsche, Ecce homo, Porque sou um destino.