sábado, outubro 11, 2003

A Liberdade

E um orador disse:
- Fala-nos da Liberdade.

E ele respondeu:
- Às portas da cidade,
e nos vossos lares,
dei convosco prostrados
em adoração
da vossa própria liberdade,

Como escravos que se humilham
diante dum tirano
e que o glorificam
enquanto ele os destrói.

Sim, no bosque do templo
e na sombra da cidadela
vi os mais livres de entre vós
usar a sua liberdade
como jugo e como algemas.

O meu coração sangrou dentro de mim;
pois não sabereis ser livres
senão quando o próprio desejo
de chegar à liberdade
se tornar para vós um arnês
e quando deixardes de falar da liberdade
como dum fim e duma conclusão.

Sereis livres de facto
não quando os vossos dias
decorrerem sem cuidados
e as vossas noites sem desejos
e fadigas,

Mas antes quando todas estas coisas
cercarem a vossa vida
e vos elevardes acima delas,
nus e libertos.

Mas como podereis estar acima
de vossos dias e noites,
se não quebrardes as cadeias
que na alvorada do vosso uso da razão
fizestes pesar
sobre a vossa hora do meio dia?

De facto, aquilo a que chamais liberdade
é a mais forte das cadeias,
ainda que os seus anéis
vos deslumbrem como o brilho do sol.

E tudo o que quereis afastar
para ficardes livres,
que é, senão fragmentos de vós mesmos?

Se quereis abolir uma lei injusta,
tende em conta que tal lei foi escrita pela vossa mão
na vossa própria testa.

Não podereis apagá-la
somente por queimardes os vossos livros de leis
nem lavando as frontes dos vossos juízes,
ainda que entorneis todo o mar
em cima deles.

E se é um déspota
que quereis destronar,
vede, antes de mais, se o seu trono está em vós
bem destruído.

Porque, como pode um tirano
dominar os livres e os altivos,
se não houver tirania
na liberdade deles
e vergonha na sua própria altivez?

E se é inquietação que quereis expulsar,
tal inquietação foi escolhida por vós
e não tanto imposta de fora.

E se quereis dissipar o medo,
a sede desse medo reside no vosso coração
e não na mão que vos assusta.

De facto, todas as coisas se movem
no mais íntimo do vosso ser
num constante semi-abraço,
tanto as desejadas como as temidas,
as repugnantes e como as tentadoras,
as que procurais como aquelas de que fugis.

Tais coisas movem-se dentro de vós
como luzes e sombras
em pares estreitamente unidos.

E quando a sombra
se debilita e desaparece,
a luz que demora,
torna-se sombra duma outra luz.

E assim a vossa liberdade,
desembaraçada de estorvos,
torna-se ela própria embaraço
duma liberdade maior.


- Khalil Gibran