domingo, novembro 27, 2005

O fim da brasa

Um Excelente artigo sobre o 25 de Novembro de Luiz Carvalho no jornal Expresso:

A festa tinha sido bonita, mas acabara. Duran Clemente, o oficial revolucionário, entrou no ar interrompendo a emissão da RTP para falar ao povo. Passados minutos, depois de algumas expressões patéticas, foi retirado do ar. O Dany Kaye em filme americano deu-lhe continuidade. A ideologia rosa vencia a ideologia vermelha.

Antes, o país entrara em colapso. Aquele Verão de 75 tinha sido quente. Um país em brasa. Os militares rebeldes do Copcon, com Otelo à cabeça, qual Fidel Castro da Europa disposto a meter no Campo Pequeno os fascistas (quem não estava com a revolução era uma espécie em vias de extinção), queriam tomar o poder. Nacionalizações, ocupações selvagens, autogestão, ocupação de empresas pelos trabalhadores, o quadro mais insurrecto podia ser observado no Portugal de 75.

O delírio colectivo estava na rua. Soldados ocuparam Lisboa, desviaram autocarros, atravessavam a Ponte 25 de Abril gritando «Soldados são filhos do povo, revolução já!».


Na manhã de 26 de Novembro, 200 comandos, sob as ordens do mítico coronel Jaime Neves, abriram fogo sobre o Regimento da Polícia Militar (RPM) em Belém, então comandado pelo major Tomé, que se assumia como a força militar de defesa do MFA. Este movimento «libertador e democrático» que pretendeu «devolver ao povo o genuíno espírito do 25 de Abril» foi uma ratoeira bem armada pelos militares ligados ao Grupo dos Nove, com Eanes no comando.

Tudo começou com a movimentação de 123 pára-quedistas ligados às forças de extrema-esquerda sedeados em Cortegaça para que convencessem outros camaradas a ocuparem cinco bases aéreas, entre elas a de Tancos. À mesma hora, forças da direita começavam a levantar barricadas em Rio Maior, a «terra da moca», o ícone da «reacção».

Entretanto, Otelo é retido numa reunião do Conselho da Revolução e demitido. Quando chega a Belém para se apresentar ao Presidente Costa Gomes, os carros de assalto do coronel Jaime Neves saem da Amadora e rumam à RPM, a escassos metros do Palácio, para derrubar o último reduto otelista.

Foi a vitória de uma facção militar muitas vezes conotada com a direita mais radical, mas que depois do golpe aceitou as regras democráticas de homens como Eanes e Costa Gomes, com um Álvaro Cunhal inteligente a saber usar uma das máximas de Lenine: «É preciso saber dar dois passos à frente e um atrás».


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