sexta-feira, abril 02, 2004

Canção da Alma

Nas profundezas da minha alma há
Uma canção sem palavras, uma canção que vive
Na semente do meu coração.
Ela recusa-se a misturar-se com tinta no
Pergaminho; ela envolve a minha afeição
Num manto transparente e flui,
Mas não nos meus lábios.

Como posso eu suspirá-la? Temo que ela se possa
Misturar com o Éter terreno;
A quem posso eu cantá-la? Ela habita
Na casa da minha alma, com medo dos
Ouvidos severos.

Quando olho para os meus olhos interiores
Eu vejo a sombra da sua sombra;
Quando toco na ponta dos meus dedos
Eu sinto as suas vibrações.

As escrituras das minhas mãos estão conscientes da sua
Presença tal como um lago que deve reflectir
As estrelas cintilantes; as minhas lágrimas
Revelam-na, tal como as gotas brilhantes de orvalho
Revelam o segredo duma rosa que murcha.

É uma canção composta de contemplação,
E publicada pelo silêncio,
E afastada pelo clamor,
E dobrada pela verdade,
E repetida pelos sonhos,
E compreendida pelo amor,
E escondida pelo despertar,
E cantada pela alma.

É a canção do amor;
Que Caim ou Esau a poderia cantar?

E mais perfumada que o jasmim:
Que voz a poderia escravizar?

É dirigida ao coração, como o segredo de uma virgem;
Que cordão o poderia estremecer?

Quem se atreve a unir o rugido do mar
Com o canto do rouxinol?

Quem se atreve comparar a tempestade gritante
Com o suspiro de uma criança?

Quem se atreve a dizer alto as palavras
Que deveriam ser ditas pelo coração?

Que humano se atreve a cantar
A canção de Deus?


- Kahlil Gibran